Review de ‘Holes’, 5° episódio de ‘Cult’

O medo pode ser um peso na balança política. Temores de ataques terroristas fazem populações ocidentais aceitarem medidas de vigilância que afetem o próprio direito a privacidade. Países que recebem refugiados são atingidos por ondas de temor em relação às pessoas que integram o contingente de imigrantes, o que reflete no aumento da popularidade de líderes com discursos pincelados de xenofobia. A preocupação com a violência atribuída a estrangeiros fazem planos de construção muros ganharem aceitação. A insegurança pública incentiva eleitores a simpatizarem com candidatos paternalistas, que prometem proteção e ações punitivas extremas.

A política do medo ganha força em diferentes pontos do mundo ocidental e os Estados Unidos é um dos países afetados por ela. O contexto atual inspira as atividades da seita que atua em Brookfield Heights, a cidade fictícia onde se passa “Cult”. O cabeça do grupo, Kai Anderson (Evan Peters, que no quinto episódio oferece mais exemplos de uma atuação sólida) não se contenta em explorar os temores já existentes do eleitorado para conseguir uma cadeira no Conselho Municipal. Em “Holes” (“Buracos”), ele faz seus seguidores intensificarem as ações para gerar paranoia.

Não basta os palhaços deixarem cadáveres e pichações em paredes, alimentarem o noticiário com manipulações da realidade ou aterrorizarem pessoas específicas. Os assassinos mascarados precisam ganhar visibilidade como algo concreto, tornando-se até mais assustadores com um tempero pseudo satânico.

OBSTÁCULOS
Kai se concentra em obstáculos: o âncora de telejornal Bob (Dermot Mulroney) barra a exibição de vídeos violentos com os palhaços em ação e questiona a credibilidade das matérias da repórter Beverly (Adina Porter); o cameraman R.J. (James Morosini) e a chef Ivy (Alison Pill) são os elos fracos do grupo. Com o incentivo de Beverly, Kai se mobiliza para remover esses impedimentos, o que garante ao telespectador as cenas mais gore da temporada até agora.

Bob é assassinado em sua casa e, como brinde, o grupo mata com brutalidade um amante submisso do âncora vestido em estilo sadomasoquista preso em ganchos de suspensão. Kai cria uma roda com os membros da seita para dar fim também em R.J. e obriga Ivy a dar o primeiro golpe. O método é aplicar pregos no crânio do cameraman, o que é executado por todos (com graus diferentes de frieza). Ambas as cenas são marcadas pela violência explícita digna do cinema moderno de “torture porn”.

Mais do que os episódios anteriores, o quinto trabalha revelações. Finalmente, descobrimos as identidades das pessoas por trás das máscaras de palhaços, para começar (o que confirma que todas as pessoas em torno de Ally, personagem de Sarah Paulson, fazem parte da seita, incluindo sua mulher).

Espiamos também um pouco a dinâmica do grupo. Os seguidores de Kai formam um conjunto variado de pessoas. Há liberais radicais como a Ivy, que é incapaz de perdoar a esposa por não ter votado na candidata de seu partido. Há conservadores radicais, como Gary (Chaz Bono). Há alienados politicamente, como Harrison (Billy Eichner) e Meadow (Leslie Grossman). Todos aparentam deixar ideologias anteriores de lado; eles estão reunidos por um fim, a revolução prometida por Kai.

Alguns são mais passivos, outros fazem questionamentos leves, outros têm uma intolerância maior com a violência, mas no final de tudo, todos terminam como submissos a Kai. Em meio a todos, Beverly se destaca por demonstrar uma ambição e crueldade equivalentes às de Kai. A interpretação de Adina é brilhante em todas as cenas em que ela aparece. Ela transpira frieza, mentalidade radical e determinação.

Superficialmente, Beverly parece ser a alma gêmea do líder, sua ovelha favorita capaz até de manipulá-lo em algum momento. Mas é realmente essa a natureza das interações dos dois?

CONFISSÃO

Beverly consegue arrancar uma confissão de Kai e o transforma uma pessoa vulnerável. Ela o convence a contar uma nova história de origem.

Em 2014, Kai era o típico “loser”. Ele era aquele tipo de jovem que hiberna no porão da casa dos pais, com um diploma que não lhe traz emprego (estudos religiosos), cujas principais atividades são jogar videogames e navegar em comunidades da internet. Antes de adotar os cabelos longos e azuis, ele era dominado por um pai frustrado e agressivo, que também ofendia a esposa. Um dia a mãe de Kai se cansa de ser humilhada, atira na o marido e se suicida na frente do filho, que era tão pouco proativo que em vez de procurar a polícia e o serviço funerário, recorreu ao irmão mais velho por ajuda – e esse irmão mais velho é ninguém menos que o psiquiatra de Ally, Rudy (Cheyenne Jackson, em seu papel mais interessante e misterioso na série até agora).

É Rudy e não Kai quem toma a decisão de ocultar os corpos dos pais no quarto deles, usando lixívia para esconder o cheiro. O objetivo é evitar perda de dinheiro por não receberem mais as pensões dos pais ou por queda nos pacientes. Os cadáveres se decompõem e Kai os visita, em uma relação filial que o faz parecer uma versão de Norman Bates, de “Psicose”. A forma como ele e o irmão lideram com a morte dos pais, deixa Kai insensível a violência e a promessa que ele faz a mãe de se tornar alguém importante, o motiva a seguir a carreira política.

Ao contar a história, Kai demonstra tanta fragilidade que  não segura o choro. Ele não usa mais a força de seu olhar fixo, com poder magnético sobre quem o recebe. Ele fecha os olhos e abaixa a cabeça enquanto soluça como uma criança. Beverly parece ter dado uma cartada que lhe dá uma superioridade em relação ao líder. O relato de Kai serve para explicar um pouco de seu comportamento e para revelar que ele tem uma relação com Rudy, mas toda a história narrada por ele é verdadeira? Ele mesmo diz a Beverly que será quem ela quiser que ele seja. Kai sempre adapta seu discurso às vontades do interlocutor e a vontade da repórter é ver o líder mostrando fraqueza. A história dele é totalmente verídica? Essa é uma dúvida que ficará para o restante da temporada.

Ally, com suas dificuldades para lidar com a separação e com o afastamento do filho e suas descobertas sobre as atividades do culto, ocupa a outra metade do episódio. “Holes” deixa ainda mais claro que  os episódios anteriores que os dramas de Ally são mornos se comparados com os conflitos da seita e com as cenas protagonizadas por Kai ou coadjuvantes como Beverly. Até mesmo quando ela começa a tomar atitudes, resolve investigar o vizinho com luneta como se fosse uma personagem de Hitchcock, as cenas dela são pálidas em comparação com as do vilão.

PONTAS AMARRADAS
A trama de “Cult” que seguiu a passos lentos nos primeiros três episódios, se acelera. O espectador é metralhado por revelações, que tornam o roteiro mais consistente. As pontas estão sendo amarradas. A revelação de que Rudy é irmão de Kai explica a razão de ele brincar com bottons com estampas de Smileys e também esclarece como o grupo liderado pelo caçula sabia que uma das vítimas que escolheram tinha medo de ser presa em um caixão. A revelação de que Ivy é parte da seita torna compreensível como ela manteve Winter como babá, mesmo que a jovem demonstrasse incompetência para função e fosse condescendente ao lidar com as patroas. A revelação de que Gary e o detetive Samuels (Colton Haynes) são outros membros do grupo explica a liberdade que os palhaços tiveram para aterrorizar Ally no mercado e a forma como a investigação ignora fatos convenientes para a seita.

A história ganha mais corpo conforme o foco no culto se intensifica. Há mais tensão, mas o comentário social sarcástico e o roteiro rápido, cheio de referências a atualidades e humor negro continuam. A sétima temporada fica mais intrigante a cada episódio e “Holes”, além de ser o mais violento até agora, é também o mais provocante. As revelações surgem, porém a trama não é esvaziada, já que outros mistérios se apresentam. A principal motivação do antagonista ainda é desconhecida. Seu objetivo político ainda é vago. Seus planos para a protagonista também. O nível de seus alcance igualmente (qual o envolvimento do grupo com o caminhão que emite gás e com o apagão, por exemplo?). Essas e outras questões servem de ganchos para outros episódios. Se o foco no culto continuar a se intensificar e ritmo do desenrolar da história continuar bem trabalho, sem subtramas desnecessárias, temos motivos para continuar fisgados.

Por Rafaela Tavares em 05 de October de 2017