Leia a nossa review do 1° episódio de American Horror Story: Hotel, “Checking In”

“Quanto mais você grita, mais ele gosta”.

Você já dormiu em um quarto de hotel? Poucas outras experiências do ser humano moderno o submetem a um grau semelhante de vulnerabilidade. O hóspede está longe da segurança de sua casa. Seu corpo se torna íntimo de um leito onde centenas de estranhos repousaram, transaram, se drogaram, sofreram ou cometeram atos de violência. Presumivelmente, os lençóis e o colchão foram limpos antes de sua chegada. As paredes que os separam de uma promiscuidade de desconhecidos dão uma frágil impressão de privacidade. Afinal, quem possui a cópias de chaves para sua porta, quem é a camareira que recolhe sua sujeira, quem é seu vizinho de quarto? Esse raciocínio (podemos chamar de cauteloso ou paranoico) faz parte do estado de espírito a que o espectador se encontra após terminar de assistir a première da quinta temporada de American Horror Story.

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Quais as outras sensações? Se você for um ser humano não iniciado à mentalidade de Ryan Murphy e Brad Falchuk e estiver acostumado com formas convencionais de teledramaturgia, provavelmente experimentará ultraje. Seus pobres olhos destreinados foram expostos ao grotesco. Suas retinas quase virgens registraram cenas de um erotismo violento – quase escrevi pornô suave, mas seria enganoso, pois não existe suavidade aqui. A falta de sutileza lhe pareceu de um tremendo mal gosto. Achou ofensivo, apague os minutos de bizarrice, cérebro.

No entanto, esse episódio introdutório ao Hotel Cortez escancara a principal característica deste ano: esta não será uma temporada para virgens, espectadores de teledramaturgia convencional, ou olhos destreinados. Fuja telespectador médio, ou será perseguido por criaturas antropomórficas com feições derretidas e um dildo em formato de broca preso ao ventre. Ao mesmo tempo, se você é um fã de “American Horror Story” desde sua original temporada e tem um carinho diferente pela primeira parte da antologia, ao atravessar o saguão de “Hotel”, seu sentimento foi de uma crescente euforia. É preciso quatro anos de uma história de guilty pleasures para ser forçado ao choque e amá-lo. Só é comparável com reencontrar um amigo esquisito quase esquecido. Sabe aquela pessoa excêntrica que você adora pela peculiaridade, mas quase não se lembrava do quanto?

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TERROR PSICOSSEXUAL

Os primeiros passos que você der na quinta temporada vão levar a um prédio com arquitetura luxuosa, porém sombria. Cada avanço na história carrega quem assiste a um retorno ao terror psicosexual extravagante e estilizado de “Murder House”, um regresso, aliás, que as duas últimas temporadas foram incapazes de proporcionar. Sentiu saudades da incerteza sobre o que é insanidade e o que é sobriedade que viveu em “Asylum”? As tentativas de adivinhar quem está vivo ou morto durante a primeira temporada fizeram falta? Bem-vindo (a) de volta. Os paralelos com a primeira temporada não são poucos. Em ambas, o pessoal da limpeza é fantasmagórico, vestimentas vendidas em sex-shop se tornam peças de horror, crianças podem causar medo, uma família tradicional é imersa em casos de horror, adultério pode causar morte e uma corretora de imóveis é guia para um local fatal.

Contudo, a impressão que se tem é que Murphy e Falchuk se sentiram mais livres que nunca para abraçar sua agressividade. Cenas de crime gráficas, um bizarro estupro masculino (tão desconfortável para quem está tão acostumado em ver mulheres como vítima de agressões na ficção que quase ignorava a possibilidade de um homem sofrê-las), consumo de drogas, orgia, essa é a tapeçaria de situações tecidas pela equipe especialmente para os fãs neste primeiro episódio. O gore é mais óbvio e mais artístico. As cenas sexuais são mais plenas. É possível perceber que realizar a filmagem ofereceu um enorme prazer a quem deslizou o foco pela arquitetura grandiosa, pelos enquadramentos diferenciados, pelo olho-de-peixe, pela iluminação às vezes noir, às vezes remetente a Dario Argento.

Referências a filmes e seriados do terror se proliferam, como sempre ocorre com as homenagens de “American Horror Story”. O cinema de teor vampiresco é visitado com citações do cinema mudo expressionista, com “Nosferatu”, até passagens que parecem reproduzir a abertura “Fome de Viver”. Sim, estou falando à introdução ao casal Condessa (Lady Gaga) e Donovan (Matt Bomer) e sua caçada por parceiros sexuais (ou folheada de cardápio de sangue, se você preferir descrever assim). Interações com crianças sinistras em corredores e funcionários do hotel que parecem vindos de outras épocas lembram “O Iluminado”, enquanto que a investigação policial dos homicídios cometidos pelo Assassino dos Dez Mandamentos parece acenar tanto para o longa-metragem “Se7en” quanto para a série “Hannibal”.

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ELENCO E ATUAÇÕES

Como em outras temporadas, o espectador é brindado com atuações ímpares. Sarah Paulson é memorável com a melancólica e egoísta Sally. Qual a forma de superar a interpretação de gêmeas siamesas de personalidade oposta? Encarnando uma viciada em drogas de caráter duvidoso, cheia de ambiguidades e olhar oscilante entre o cruel e o trágico. Tanto a atriz quanto a personagem roubam cena nessa primeira participação vilanesco de Paulson no seriado. Outro destaque do elenco dá vida a sua inimiga na história: Kathy Bates é a amarga gerente do Hotel Cortez, Iris. A cada cena ela mostra também múltiplas facetas. É uma funcionária mal humorada com a freguesia, uma empregada servil, uma mãe desesperada, uma sádica. Ela é mais que verossímil em cada uma delas é parece ser central â trama, o que se comprovar será um alívio depois de ver Bates subaproveitada na quarta temporada.

Denis O’Hare também é impressionante como a bartender crossdresser Liz Taylor. Prestar atenção em seus movimentos glamourosos é um prazer. Espere também uma atuação sólida de Wes Bentley como o único personagem aparentemente normal da trupe, um contraste com o sobrenatural Edward Mordrake, seu papel em “Freak Show”. O ator interpreta o investigador John Lowe, ao que tudo indica o nosso herói e nossos olhos, e é eficiente ao fazê-lo. Dá pra sentir que ele sofrerá conosco, ele se quesionará sobre as descobertas conosco e possivelmente duvidará da própria sanidade como nós. Além disso, Max Greenfield e Mare Winningham fazem participações pequenas, porém impactantes. Não me levem a mal, eu adoro a veterana agora ausente Jessica Lange como vocês. Mas as atuações desses intérpretes foram tão deliciosas que não senti tanta falta da atriz como pensei que poderia sentir. E olha que ainda mal vimos Evan Peters e nem vislumbramos outros queridinhos dos fãs como Angela Bassett, Finn Wittrock e Lily Rabe. Mas temos de comemorar uma coisa. No primeiro episódio, a participação de cada personagem principal é bem equilibrada e o entrelaça ao hotel. Se esse balanço for mantido, a trama será beneficiada, até porque a temporada é bem populosa.

Não poderia deixar de comentar a grande novidade do elenco. Desde que a cantora Lady Gaga foi anunciada como parte da temporada, os fãs começaram a se questionar sobre suas habilidades em cena. Sua Elizabeth possui uma forte presença visual, transmite o poder, a fome, o mistério e a sensualidade necessários à personagem. Porém, ela, uma atriz iniciante, é bem mais confiante nas cenas sem fala. Não é coincidência que sua primeira participação é uma gloriosa cena de seis minutos muda, desenvolvida ao som de “Tear you Apart” de She Wants Revenge, como um belo e sangrento vídeo-clipe. Aliás, a sombria trilha-sonora é muito bem selecionada e como seria inevitável, termina com uma canção que provavelmente muitos fãs haviam relacionado à série ao descobrir que o tema da temporada seria hotel.

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HOTEL CORTEZ

E falando, nele, o Cortez domina a história como se tivesse alma, como se fizesse parte de uma maldição que prende certos personagens a seu solo, como se trabalhasse de forma sobrenatural para atraí-lo. Talvez essa armadilha em forma de prédio art-déco seja o nosso protagonista.

O contato inicial com a trama gera perguntas e teorias para quem pratica o esporte de especular sobre o seriado. O hotel distorce o ritmo do tempo como parece? Alguém controla o Demônio do Vício? Essa entidade é real ou uma representação da dependência? Os personagens estão vivos ou mortos? Iris e Sally servem a Condessa por dívida ou condenação? O assassino dos Dez Mandamentos habita o hotel? Quem ocupa o quarto 33? É o quarto 64, por que é palco de acontecimentos tão incômodos? Por que o Hotel Cortez ou um de seus moradores invoca o detetive John Lowe e quais os planos por traz disso?

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De forma geral, “Checking-In” é um bom tira gosto, que demonstra o quão divisa a série pode ser, abre terreno para a história de um hotel aparentemente maligno e de uma série de assassinatos externos mais relacionados ao estabelecimento se desenvolverem e apresenta os personagens. Só nos resta esperar que o resto do banquete servido em “Hotel” mantenha a mesma qualidade de receita. Quem gostar de ingredientes como sexo, sangue e terror, matará bem a fome.

Por Rafaela Tavares em 08 de October de 2015