Review: O conceito de eternidade em ‘Battle Royale’, 11° episódio de Hotel

Já se pegou filosofando sobre o conceito de eternidade? Confesso que a perspectiva de tempo incessante me assusta. Imagine viver uma situação ad infinitum. A repetição prolongada depois de anos (contagem do plano material) poderia tornar qualquer situação paradisíaca em infernal. E se sua experiência eterna envolver a convivência com algo ou alguém desagradável?

Talvez as assombrações do universo de “American Horror Story” tenham refletido sobre essas questões nos momentos ociosos em que não estão em meio a atividades homicidas ou sexuais. Não sei se a mentalidade de todos os fantasmas dos seriados é intelectualizada o bastante para essas considerações, mas apostaria que a Condessa (Lady Gaga) pensou nessas coisas ao morrer.

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Sim, a protagonista de “Hotel” foi assassinada a um episódio antes do término da temporada. Em “Battle Royale”, décimo primeiro e penúltimo episódio, algumas tramas foram concluídas. Mais significativamente, os destinos de Elizabeth e John Lowe (Wes Bentley) se cruzaram.

ENCONTROS

Quando John visitou o Hotel Cortez pela primeira vez, sua indiferença com a morte fascinou Mr. March (Evan Peters), a ponto de criar uma necessidade de tornar o detetive um hóspede constante, desligado da moral. O meio de conseguir destruir as limitações éticas de Lowe seria o desespero. A ferramenta que colaborou para isso foi a Condessa. Ela aceitou sequestrar o filho de John, fato decisivo para transformá-lo no Assassino dos Dez Mandamentos, como March tanto sonhava.

Um salto de alguns anos mais tarde, Elizabeth topou realizar mais um favor para prender o investigador ao Cortez. Em agradecimento a Sally (Sarah Paulson) por ter arrancado balas e costurado seu corpo, ela usou a família de John como isca para fazê-lo regressar ao hotel. As duas decisões acumularam um karma negativo.

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A Condessa se tornou vítima das próprias maquinações contra John. Graças a seus gestos, ele se tornou um serial killer e foi obrigado a encontrar sua última morte no território onde estava. O detetive já havia cometido nove crimes fatais simbolizando alguns dos mandamentos bíblico. Faltava o último, o “Não cometerás assassinato”. Apesar de o hotel conter uma superpopulação de matadores, ele selecionou Elizabeth para ilustrar essa ordem divina, perfurou seu corpo convalescente, agasalhado com casaco de grife, com novas balas e decepou sua bela cabeça como seu último troféu.

Assim foram encerradas a história do Assassino dos Dez Mandamentos e a vida de Elizabeth (1904-2015, sem descansar em paz), as duas tramas principais de “Hotel” e provavelmente as melhor desenvolvidas até agora. John ainda precisa reencontrar sua família, livrar-se de Sally e March (ou não).

ANALOGIAS

O que restou para Condessa? Uma eternidade insuportável ao lado de um ex-marido que detesta. No final das contas, vampiros estão sujeitos às mesmas leis que os humanos comuns. O vírus em seu sangue não os salvam de permanecer como fantasmas se tiverem assuntos pendentes – o da Elizabeth era seu filho Bartholomew. A quinta temporada cria em uma só cena duas analogias a anos anteriores. O tormento de Elizabeth ao lado de March remete ao inferno de Fiona (Jessica Lange) ao lado do Homem do Machado (Danny Huston). Enquanto a Condessa suspira ao pensar sobre sua infelicidade e a falta de paixão da condição como fantasma que a deixa mais blasé, March faz uma descoberta. Por décadas, ele (e nós espectadores) acreditou que quem o incriminou foi a Condessa, mas acontece que sua ex-esposa era tão indiferente a ele que nem se deu a esse trabalho. Quem deixou uma pista para a polícia encontrá-lo, na verdade, foi Sra. Evers (Mare Winningham), numa tentativa romântica de provocar seu duplo suicídio ao lado do homem que amava. March a baniu de sua presença, da mesma forma que seu primeiro personagem de “American Horror Story”, Tate, cometeu erros que resultaram no seu banimento da proximidade de Violet (Taissa Farmiga) – os dois também fantasmas.

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Em outra situação, uma mãe tentou puxar seu filho moribundo para fora de um solo amaldiçoado, para evitar que ele se torna fantasma – situação vivida por Iris (Kathy Bates) e Donovan (Matt Bomer), sendo que algo parecido, porém inverso ocorreu com Constance (Jessica Lange, novamente) e Addie (Jamie Brewer).

FRUSTRAÇÃO
Essas não foram as únicas referências a outras temporadas da antologia. A urna provisória das cinzas de Donovan foi uma lata de café da mesma marca para qual Elsa Mars (Jessica Lange, outra vez) gravou um comercial em “Freak Show”. A ligação menos sutil foi Queenie (Gabourey Sidibe), uma das bruxas de “Coven”. Nos primeiros instantes, provavelmente os fãs da personagem ficaram felizes em matarem a saudade de suas tiradas agressivas, suas frases didáticas sobre seu poder como vodu humana. A excitação se desfez em pouco tempo. Queenie apareceu para ser morta poucos minutos mais tarde, mantendo a tradição de que nenhum personagem vive mais que duas temporadas. Tradição ou não, foi frustrante ver os roteiristas resgatarem uma das sobreviventes de outro ano, uma personagem interessante, para eliminá-la inutilmente. A morte de Queenie foi totalmente gratuita e dispensável. Ramona (Angela Bassett) precisava se alimentar para conseguir matar a Condessa, mas nem isso ela fez.

vlcsnap-2016-01-09-16h49m13s439O único proveito da cena foi dar uma ideia sobre a hierarquia entre as entidades sobrenaturais de American Horror Story. Humanos são prováveis vítimas de todas elas, presas de vampiros. Os sanguessugas estão sujeitos aos poderes de bruxas, principalmente se a magia delas for criar um reflexo no corpo do oponente a cada agressão sofrida em si próprios. Fantasmas subjugam os dois, já que não podem ser mortos. E Mr. March parece ser o mais poderoso deles, pelo menos por enquanto. Ele apunhá-la bruxas, influencia a construção de seria killers, controla o Demônio do Vício, conseguiu manter a ex-esposa por perto. O antigo magnata parece ter conquistado uma eternidade prazerosa (Será mesmo?). James é também um dos personagens mais interessantes da temporada, junto com Iris, Liz Taylor (Denis O’Hare), Condessa, Evers e Sally.

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DIMENSIONAR
Por mencionar a personagem de Sarah Paulson, ela finalmente ganhou uma história de origem, que a tornou ainda mais sombria. Como diálogos anteriores indicavam, além de viciada em heroína, ela era uma compositora grunge com problemas de abandono. Para manter dois amantes a seu lado, Sally costurou seus corpos ao dela mesma (o que explica suas marcas pelo corpo), numa cena cujo estilo lembra sequências de filmes independentes de terror. Sally também convive com uma versão infernal da eternidade, sempre perseguida pela possibilidade de enfrentar os demônios de seus vícios e na constante experiência de apegos rejeitados.

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Nas vésperas do final, já é possível dimensionar algumas coisas sobre “Hotel”, até porque outras tramas foram concluídas: a vingança sempre frustrada de Ramona, a já citada relação entre Iris e seu filho. O cenário da temporada além de belíssimo cria uma atmosfera perfeita de localidade amaldiçoada, ponto para os cenografistas que o construíram em seus gloriosos detalhes art-déco, como para a equipe responsável pela fotografia que o explora em ângulos que intensificam sua personalidade.

Alguns dos protagonistas são ótimos trazendo pontos altos das participações de atores como Evan Peters, Mare Winningham e Denis O’Hare (eu, pelo menos, nunca antes gostei tanto de seus personagens, inclusive sinto muito ao ver as indicações às principais premiações e notar que os três foram ignorados). Contrariando o medo de muitos espectadores, a atuação de Lady Gaga se mostrou sólida e evoluiu ao longo da série, além de a atriz/cantora combinar bem com a personagem oferecida a ela.

A trilha sonora com canções sensuais e sombrias de pós-punk contribuiu para a ambientação e é uma das melhores de toda a série. A mitologia de vampiros do seriado foi edificada de uma forma satisfatória, assim como ao revisitar a temática sobre fantasmas, a temporada esclareceu algumas dúvidas sobre as regras a quais eles estão submetidos que ficaram com pontas soltas em “Murder House”. Falando em pontas soltas, embora elas tenham se mostrado frequentes em “American Horror Story”, em Hotel elas foram menos frequentes. A maior parte dos arcos da história deram sinais de terem sido previamente planejados e poucos deles estavam deslocados. Leia bem, “poucos”, mas não “todos”.

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Por outro lado, a temporada não foi impecável e ainda possui inconsistências. As mais incômodas são a presença de personagens desinteressantes ou mal aproveitados. O exemplo mais gritante é Ramona, cuja trama vingativa é uma rebarba da história que poderia ter sido aparada, por ter terminado em nada e não ter grandes consequências para outras plots. É uma pena, pois Angela Bassett é uma atriz excelente subutilizada pelo segundo ano consecutivo. Donovan tinha potencial de ser um amante interessante de Elizabeth e ter um conflito melhor explorado com sua mãe, porém foi um desperdício do talento de Matt Bomer, mostrando-se um vampiro pouco ameaçador, mimado e desagradável na maior parte do tempo. Will Drake (Cheyenne Jackson) era mesmo necessário? Ou o tempo dedicado a esse personagem insosso e o plano igualmente desinteressante de golpe do baú da Condessa poderia ter sido utilizado para mostrar mais a história de personagens como Iris, Liz ou Sally?

Outro ponto preguiçoso do roteiro é a falta de repercussão dos assassinatos cometidos pelos personagens dentro e fora do Hotel Cortez. Por décadas, as pessoas são mortas por seus fantasmas, vampiros e assassinos. São seres humanos que desaparecem. Ninguém os procura? A polícia não investiga seu sumiço? Se ao menos justificassem a situação como efeitos sobrenaturais do prédio ou hipnose praticada por algum dos personagens, mas até agora isso não foi abordado – e provavelmente, como é mais conveniente para os roteiristas, nem será.

Há um episódio ainda que pode corrigir esses pequenos problemas e manter os pontos positivos, podemos aguardar para dar o nosso veredito sobre a temporada. Para mim, mais uma vez Ryan Murphy e Brad Falchuk nutriram nossa relação de amor e ódio, que eu gostaria que não fosse eterna e pendesse mais para o lado do amor.

Por Rafaela Tavares em 09 de January de 2016