Review: A reinvenção do seriado com “Chapter 1”, primeiro episódio de “Roanoke”

Quando um seriado chega a seu sexto ano, este tempo de sobrevivência é acompanhado pela elaboração de um vínculo de intimidade entre programa televisivo e seu público. Normalmente, o início de temporada é uma retomada de familiaridade. Os espectadores sentem a segurança de poder expor suas pupilas e tímpanos ao bom e velho produto de sempre. Os criadores têm o conforto em poder recorrer impunemente a fórmulas já testadas e aceitas.

Pela lógica, American Horror Story daria continuidade a seu crescendo anual de extravagância. Ano a ano seus fãs são conduzidos a um espetáculo cada vez mais contraditório de glamour e brutalidade, de luxo e carnificina, de sensualidade e repulsa. Nesta quarta-feira (14) estávamos prontos para mais um mergulho no excesso durante o qual seríamos apresentados a uma dúzia de protagonistas absurdos (a maioria homicida) e um emaranhado de múltiplas subtramas. Nossa opereta teria uma ouverture – e o som desse pontapé seria uma releitura da tradicional música de abertura. É sempre, afinal.

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Repito: normalmente, o início de temporada é uma retomada da familiaridade. Mas um “normalmente” não se aplica ao caso. Nossa apresentação à sexta temporada foi um choque com o desconhecido. Se não fosse o elenco de veteranos, ou o fato de o próprio criador Ryan Murphy anunciar que American Horror Story estava para começar poderíamos jurar que estávamos assistindo a um seriado diferente. O episódio “Chapter 1” (Capítulo 1) gera uma estranheza, mas cria uma força de atração que nos convida a continuar a acompanhar.

FORMATO

Temos um novo formato. As filmagens e edição foram inspiradas em um daquelas atrações da TV a cabo onde casos de fenômenos sobrenaturais supostamente reais são relatados por meio de uma mistura de entrevistas com as vítimas verdadeiras e encenação das situações feitas por atores. Em vez do American Horror Story a que estamos acostumados, o que vemos é o fictício “Meu pesadelo em Roanoke”. Numa espécie de “programa dentro de programa”, a história é narrada por Shelby (Lily Rabe), Matt (André Holland) e Lee (Adina Porter) e demonstradas por versões dos três interpretadas por Sarah Paulson, Cuba Gooding Jr. e Angela Bassett.

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Adina retornou para a série após 5 anos.

Nada de Condessa vampira, gêmeas siamesas matricidas, ou bruxas com vaginas assassinas, os protagonistas da sexta temporada são americanos comuns. Shelby e Matt formam um casal, são uma professora de ioga e um vendedor viajante que resolvem se mudar de uma grande cidade após serem vítimas de um ato de violência. Lee é uma ex-policial que se esforça para superar um vício quando aceita um pedido de ajuda de um irmão em dificuldade.

A grandiosidade (de, pelo menos, os últimos três anos de American Horror Story) é substituída por uma narrativa contida como nunca. Ainda que existam indícios de outros personagens importantes, o primeiro episódio é concentrado em apenas três.

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Como em grande parte dos documentários televisivos sobre casos sobrenaturais, a trama do “mocumentário” começa a se desenrolar quando o casal encontra um novo lar. A residência em questão é uma casa de campo construída no final do século XVIII em Roanoke, localizada no estado da Carolina do Norte. A tentativa de recomeçar a vida ali se transforma em uma série de interrupções do cotidiano bucólico pelo que parece se tratar de manifestações de assombrações.

Eles são atormentados por ruídos noturnos, aparições em corredores, surgimento de cadáveres de animais. Os problemas escalam para chuva de dentes humanos, ataques físicos e invasões de domicílio seguidas por montagens de mobiles gigantes com amuletos na escadaria da casa. O adeus ao espírito de “lar doce lar” culmina no surgimento de figuras com visual anacrônico que empunham armas e tochas. Duas delas são encarnadas por rostos conhecidos: Kathy Bates e Wes Bentley.

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REGRESSO

Ao mesmo tempo em que o estilo de falso documentário e a trama simplificada fazem uma ruptura com os clichês dos últimos anos do seriado, a temporada faz um regresso a elementos da primeira temporada de American Horror Story, apelando para a nostalgia dos fãs. Como em “Murder House”, vemos uma família ameaçada em sua própria casa por atividades paranormais, porém continua presa a ela por ter investido todas as economias na compra do imóvel.

Assim como Vivien (Connie Britton), Shelby sofre um aborto nos primeiros minutos da história. A residência é assombrada por duas enfermeiras, como antigas moradoras da mansão da primeira temporada. Pelo cenário, transita ainda um homem com cabeça de porco, como a lenda urbana do “Piggy Man”, mostrada no episódio “Piggy, Piggy”. Os protagonistas são humanos normais por quem podemos torcer sem culpa, como Vivien, Ben (Dylan McDermott) e Violet (Taissa Farmiga). O elenco principal parece ser reduzido, o que é vantajoso por permitir mais espaço para desenvolvimento de todos os personagens mais importantes.

Porém, a principal conexão é referência à colônia de Roanoke. O mistério envolvendo 117 pessoas que desapareceram em 1590 do local onde a trama do sexto ano é ambientada foi citado pela médium Billie Dean Howard (Sarah Paulson) na primeira temporada. O caso é uma das mais tradicionais lendas norte-americanas, um bom prato para o cardápio de releituras de horrores reais que Murphy adora adaptar. As roupas antigas de algumas das aparições que assustam Shelby e Matt, o cenário da floresta e fotos dos bastidores que vazaram indicam uma retomada dessa história introduzida aos fãs no primeiro ano de American Horror Story.

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Esse retorno pode trazer um leve consolo para os fãs da antologia que se sentirem mais incomodados com a mudança brusca no estilo.

REINVENÇÃO

No desenrolar da premiere essas autorreferências à primeira temporada e os elementos de horror bizarro nos lembram que, sim, estamos assistindo American Horror Story. O que aconteceu é que a equipe liderada pelo duo de produtores Ryan Murphy e Brad Falchuk ousou a reinventar o seriado em plena sexta temporada. E perceber que o seriado está nas mãos de quem aposta em renovação é revigorante, pelo menos para o público típico de um seriado de terror. A fórmula pronta impede as surpresas, o que movimenta o horror é o inesperado.

Toda a evolução da trama inicial é feita a passos curtos, ao contrário do que aconteceu principalmente com “Coven”, “Freak Show” e “Hotel”. Não começamos o ano já em contato com a maioria das subtramas, monstros e personagens. A história começa com ritmo lento, se apoia no suspense até ser infiltrada pelo oculto e pelo macabro. Fomos guiados até a temporada de olhos vendados por uma campanha de marketing que manteve tema e parte de elenco em sigilo, o que incluiu esconder do público que Lily, uma das atrizes favoritas dos fãs, retornaria.

Na verdade, o primeiro episódio insinua do que se trata a história, instiga, mas continua a nos manter no escuro. Como a família que vivenciou os acontecimentos é entrevistada no documentário, eles nos parecem seguros, pois sabemos que sobreviveram ao pesadelo de Roanoke. Mas até quando?

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Não sabemos por quanto tempo o formato de programa sobrenatural permanecerá e não temos certeza de qual gênero do terror será explorado embora a casa lembre a atmosfera de “A Invocação do Mal” (2013) e a floresta com seu ocultismo que a cerca remeta a “A Bruxa de Blair”(1999). Desconhecemos até o nome da maioria dos personagens restantes, mal temos uma noção do tema em si e isso só fortalece o suspense e evita a exaustão antes do tempo. Com todo o seu frescor de inovação, a sexta temporada começa com ar promissor.

Por Rafaela Tavares em 16 de September de 2016