Review de ‘ Charles (Manson) in Charge’, penúltimo episódio de ‘Cult’

Helter Skelter. Palavra composta inglesa que significa “tobogã”. Título da canção do chamado Álbum Branco com a qual os Beatles inauguraram o heavy metal em 1968. Expressão identificada com o mais famoso líder de seita barra serial killer norte-americano. Charles Manson deu esse nome ao que chamava de “visão quimérica”. Para ele, Helter Skelter seria uma guerra apocalítica na qual brancos e negros se enfrentariam. Manson tinha um plano para criar o gatilho para o conflito. Membros de sua Família – como ficaram conhecidos seus seguidores – cometeriam assassinatos brutais. O objetivo era incriminar os negros e gerar medo ou raiva dos brancos contra eles. Soa familiar para você que está acompanhando “Cult”?

Desde o início da temporada, Kai Anderson (Evan Peters) utiliza violência como gatilho para criar o pânico necessário para promover uma revolução. No décimo e penúltimo episódio, ele finalmente dá crédito para quem o inspirou ao citar Manson como influência para seus novos planos. Kai está paranoico.

O discurso conservador dele gerou uma oposição intensa de grupos liberais para sua candidatura ao Senado. Qualquer mal cheiro pode trucidar o que pode ainda haver de reputação e, consequentemente, qualquer aspiração à ascensão política. E, porra, Kai e sua seita mataram tantas pessoas que até ele sabe que o fedor de decomposição o segue como uma sombra. Qual a solução? Matar mais gente ainda para criar mais pânico e se eleger senador. Quem sabe presidente?

TATE

Dessa vez, ele reúne seus kaiminions e os motiva com um conto noturno de como a Família Manson executou o seu mais famoso crime: a massacre da atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, do hairstylist Jay Sebring, do aspirante a roteirista Wojciech Frykowski e a herdeira de uma fortuna de café Abigail Folger na casa localizada na Cielo Drive, 10050. A intenção é usar o relato brutal como discurso motivacional.

Se anteriormente o antagonista de “Cult” se imaginou no lugar de outros líderes de culto, quando ele descreve a ação da Família Manson os rostos que assumem a identidade dos personagens são o dos próprios seguidores. Atenção, porque a escolha de papeis traz indícios sobre o estado de espírito de Kai. A cena ganha uma roupagem de filme exploitation dos anos 1960, com direito a muito sangue, faixas pretas nas extremidades inferiores e superiores e até legendas em fontes chamativas para apresentar quem são os personagens. Talvez porque para Kai a violência real seja uma fonte de entretenimento.

Membros obedientes, Tex Watson é representado por Harrison (personagem de Billy Eichner) e Patricia Krenwinkel por Meadow (Leslie Grossman). Harrison e Meadow foram fieis a Kai até morrerem. Susan “Sexy Sadie” Atkins, no relato do episódio a mais ensandecida e fria do grupo (o que para o Kai seria admirável) é encarnada por Ally (Sarah Paulson), a mais nova queridinha do personagem de Anderson. Atkins teve um filho com um homem chamado Bruce White. Manson chamou a criança de Zezozose Zadfrack Glutz. A forma como Kai conta esse detalhe é incorreta, insinua que o filho era de Manson. Vale lembrar que Kai também acredita que Ally é mãe de seu filho, o que explica a distorção que ele faz sobre a paternidade de Zezozose.

Um ponto-chave. Linda Kasabian, a única do grupo de Manson que fraqueja diante do sangue, tem o rosto de Winter (Billie Lourd). Kai identifica Linda como a traidora que estragou os planos de Manson. Ele também acredita que há um rato em seu próprio grupo. Kai desconfia da própria irmã, porque ela demonstra fraqueza. Como eu disse antes, ele está paranoico.

KAI
Na verdade, Kai nunca foi um exemplo de equilíbrio. Quando ele morrer, se ganhar um obituário sincero isso ficará claro desde o primeiro parágrafo. Um breve perfil dele: Kai era um clichê. Sabe aquele papo de que o filho do meio tem uma tendência a ser mais problemático? É o caso de Kai. Seu irmão mais velho tinha uma carreira como psiquiatra, sua irmã mais nova era bancada para terminar o ensino superior em Literatura Inglesa e Estudos Femininos, assuntos que a interessavam.

Kai se formou em Estudos Religiosos (dificilmente sua escolha ideal) e nunca trabalhou na área. Ele passou a juventude no porão da casa dos pais, frustrado com a falta de um emprego, com a sensação de ser um perdedor. Ele era um troll de internet com discurso ultraconservador e misógino, provocado pela sensação de rejeição feminina. Ele tinha um pai abusivo que o humilhava. Ele era um exemplo de homem branco fracassado e revoltado. Sim, resumindo, ele se sentia um bosta.

Isso antes de ser obrigado a ocultar os cadáveres dos pais, de se enxergar como um salvador após matar um maníaco, bater em uma feminista que o ofendeu, fazer um tratamento para controle de raiva com uma louca, criar um culto, governar a base de coação e matar pessoas, o que inclui seu irmão mais velho e mais bem-sucedido.

Atualmente, Kai se imagina vigiado por agentes federais. Ele fantasia que há escutas instaladas em sua casa. Kai começou a conversar com um irmão morto e com uma versão mais jovem de Charles Manson (também interpretada por Evan Peters, como esperado). Vale lembrar que o nome do episódio é “Charles (Manson) in Charge” (Charles Manson no Comando), muito provavelmente porque o famoso líder de seita se torna uma espécie de Grilo Falante de Kai. Ele se torna um símbolo de deterioração mental.

PETERS
A insanidade do personagem se manifesta em escalada a cada episódio. A atuação de Peters transpira a loucura e aqui ela atinge um ápice. Evan, quando você for escolher um episódio para se candidatar a uma indicação para Melhor Ator em Minissérie, por favor, “Charles (Manson) in Charge” é o ideal.

O que é a cena em que Kai é barbeado por Winter? A irmã está com uma lâmina na garganta do irmão, mas se sentimos tensão é por ela. Ele é ameaçador. A fotografia da cena é especial. O rosto de Kai é dividido em partes desiguais pelo efeito de múltiplos espelhos. É como se a ilusão de cortes fizesse uma referência à etimologia da palavra “esquizofrenia”, que em latim significa “mente dividida”. Já Winter, tem duas caras, como o irmão pensa que ela tem.

Quantas emoções Peters transmite com o rosto na cena em que Kai estrangula Winter por achar que ela é uma espiã? Ele a odeia, ama-a, quer matá-la, pensa até que é necessário, deseja que ela o dê o motivo para não matá-la, sofre quando o faz, mas fica quase aliviado e entra em processo de luto. Sentimos sua respiração e suas veias da têmpora saltar. Ao mesmo tempo, Peters é um delírio de Charles Manson pós-condenação que funciona como o diabinho no ouvido de Kai. Aliás, seu Charles-Kai com olhar insano é excelente. Os dois papeis são parecidos e diferentes na mesma medida.

Se o episódio está forte em um quesito, esse é atuação. Adina Porter é convincente como uma versão murcha, decadente e traumatizada de Bevely Hope. Sarah Paulson é implacável e desconcertante com Sadie e Ally (tememos uma e torcemos pela outra). Billie Lourd tem sua melhor perfomance. Frances Conroy retorna como a amante louca de Valerie Solanas, Bebe. É sempre uma delícia assistir a atriz, mesmo que numa participação breve.

BEBE
Falando nisso, Bebe foi a terapeuta de Kai e estimulou a liderar um culto. Os dois são um a antítese do outro, extremistas em seu ódio ao sexo oposto. Ambos queriam promover seu próprio Helter Skelter. Os dois pensavam em usar violência para criar uma emoção forte o suficiente para revolucionar o mundo. Para Kai, o medo seria uma escada para o poder. Para Bebe, a raiva seria uma arma para motivar as mulheres a explodirem numa reação para eliminação dos homens.

Quando descobre que Kai quer gerar um temor na população geral prejudicial a seus planos, ela resolve matá-lo. Ally é quem defende o líder, ganhando sua confiança. Ela percebe a paranoia de Kai e descobre explorá-la. Até o momento, a heroína tem o vilão em suas mãos.

Ela vai ter sucesso? Winter acha que não. Antes de morrer, a irmã de Kai profetiza que o irmão engolirá Ally. Personagens de Shakespeare costumam amaldiçoar pessoas antes de morrer. E as maldições pegam. “Cult” foi a temporada mais shakespeariana de American Horror Story. Isso significa alguma coisa? Temos mais um episódio para torcer que não.

Tradicionalmente, penúltimos capítulos do seriado são o ápice da história e o último é um mero epílogo. A receita parece diferente desta vez. “Charles (Manson) In Charge” entretém bastante, tem atuações excelentes, prende a atenção, foi inegavelmente intenso, mas não é o penúltimo episódio bombástico com o qual estamos acostumados. Isso significa que a grande explosão foi reservada para “Great Again” (Grande Novamente)? Temos mais um episódio para torcer que sim.

Por Rafaela Tavares em 09 de November de 2017