Review de ‘Don’t Be Afraid of The Dark’, 2° episódio de ‘Cult’

Por que o escuro amedronta? Para começar, a ausência de luz envolve nossos ambientes familiares em um véu de mistério e desconhecimento. A casa de uma pessoa é supostamente o lugar mais seguro que existe, ou deveria ser. Porém, andar pelo próprio lar com as luzes apagadas pode significar a incapacidade de se distinguir o que está escondido em um canto sombrio. Estamos em um lugar conhecido, subvertido em desconhecido, ficamos vulneráveis à paranoia e à ilusão de ótica, podemos ser alvo de um invasor ou nos tornarmos vítimas da nossa própria insegurança, cometendo erros dramáticos.

O título do segundo episódio de “Cult“, “Don’t Be Afraid of The Dark” (Não tenha medo do escuro) acerta ao tratar desse temor extremo em uma temporada centralizada nos perigos originados do medo. Coincidentemente ou não (mais provavelmente, não), o nome do episódio também é mesmo de um telefilme lançado em 1973 (e que ganhou um remake em 2010). Na versão original, “Don’t Be Afraid of The Dark” mostra a história de Sally, uma mulher que se encontra em uma condição de insegurança ao começar a enxergar estranhas criaturas no interior da própria casa. Para piorar a situação, o marido dela questiona suas afirmações e acha que ela está delirando.

Assim como Sally rima com Ally (Sarah Paulson), a essência da história da protagonista de “Don’t Be Afraid of The Dark“, o telefilme, combina com a situação em que vive a heroína de “Don’t Be Afraid of The Dark”, o episódio. Ambas se encontram ameaçadas no próprio lar. As duas têm a própria noção de realidade colocada em dúvida, algo que as deteriora.

DETERIORAÇÃO
O início do episódio retoma a última cena do anterior. Ally acorda com um palhaço com máscara fálica deitado a seu lado. Porém, quando sua esposa Ivy (Alison Pill) revista o quarto, não encontra nenhum vestígio de invasão e, por isso, acredita que o perigo foi imaginário. “Mas é esse mesmo o caso?”, o espectador se pergunta. Afinal, Oz (Cooper Dodson) avistou os mesmos palhaços vistos por sua mãe saírem de um caminhão de sorvete, prontos para matar os vizinhos dos Mayfair-Richards. Isso significa que eles são reais?

O estado mental de Ally equivale ao equilíbrio de uma pessoa que caminha sobre uma corda bamba, o seriado deixa claro. Ela tem transtornos, é cheia de fobias, reage de forma descontrolada, tem ataques de pânico. Ao mesmo tempo, a maior parte de sua insegurança tem fundamento, o seriado também deixa claro.

Para começar, tudo indica que ela realmente é alvo de um grupo de palhaços homicídas . Essas mesmas figuras podem ter matado seus vizinhos, ou algum motivo grave levou o casal que morava ao lado a se matar – as duas possibilidades são angustiantes. Além disso, um dos funcionários do restaurante da protagonista e de sua esposa tem o corpo enganchado como um pedaço de carne no freezer do estabelecimento e é a própria Ally quem o encontra, tenta salvá-lo e o mata, acidentalmente. A polícia está menos interessada em solucionar o crime de forma adequada do que em forçar Ally a culpabilizar um imigrante pelo assassinato. Sua insegurança atinge níveis ainda maiores.

CÔNJUGES
A forma que Ivy encontra de ajudá-la é convidar o psiquiatra que cuida da esposa, Dr. Rudy (Cheyenne Jackson), para uma consulta disfarçada de visita. É uma forma de proteção e também um modo de explicitar dúvidas sobre a sanidade da outra. Nesse ponto, a relação de Ivy e Ally lembra aspectos do casamento do casal principal da primeira temporada de “American Horror Story” (e Murder House é a temporada com a qual Cult tem maiores semelhanças, até agora). Quando Vivien (Connie Britton) começa a se sentir ameaçada pelas figuras estranhas presentes na própria casa – no caso, fantasmas – o marido dela, Ben (Dylan McDermott) a acusa de estar louca.

Diálogos da primeira temporada tecem paralelos entre a situação de Vivien e o conto “O Papel de Parede Amarelo”, da escritora Charlotte Perkins Gilman, que fala sobre como os cuidados de um marido, que tranca a mulher para tratar o que ele classifica como depressão nervosa e histeria, fazendo com que seu estado mental piore. Ben tenta internar a esposa, Ivy não chegou a esse extremo, mas seus cuidados mais alienam do que ajudam Ally a se recuperar.

A mistura de boa atuação e linguagem corporal de Sarah Paulson com a cinematografia transmitem ao espectador as sensações da crise da personagem. Ally está em pânico e suas tentativas de se proteger de seus medos ganham contornos concretos quando ela começa a instalar grades nas portas e janelas de sua casa.

POLÍTICA
É nesse estado que ela se vê confrontada mais uma vez por Kai Anderson, (Evan Peters). Depois de provocar imigrantes até que eles o espancassem e ter o ataque filmado, o jovem resolve se candidatar ao conselho municipal (equivalente à nossa câmara de vereadores), com a promessa de deixar de ser um homem humilhado e agredido para se tornar alguém capaz de proteger a cidade da insegurança pública – que, no seu discurso xenófobo com ecos de falas de Donald Trump, é representada pelos imigrantes.

Kai vai até a casa de Ally para promover sua campanha. Ele diz estar ali para pedir votos e no início é quase cordial, até começar a tentar intimidá-la. Kai usa o medo como isca para atrair as pessoas e ele enxerga os temores de Ally. O jovem cita índices fraudados sobre criminalidade, retirados do Facebook (algo parecido com a relação de alguns jovens conservadores fora da ficção com fakenews).

Ele também faz chantagens sutis ao pedir apoio – comparando-se à Alemanha pré-nazismo, insinuando que correria risco de abraçar seu lado sombrio, caso não ganhe uma chance para superar a própria humilhação. Como psicopatas reais e da ficção, Kai apela para a boa vontade de Ally, insistindo para entrar na sua casa para usar o telefone, beber um copo d’água, ou usar o banheiro, algo que lembra o modus operandi de Alex Delarge, de “A Laranja Mecânica“, ou Dandy (Finn Wittrock), de “Freak Show“.

Ally consegue enfrentá-lo, porém de forma superficial. Quando ela rejeita a possibilidade de apoiá-lo, dizendo que quer criar contato humano e construir pontes entre as pessoas, Kai destaca que em vez de fazer isso, Ally está implantando grades na própria casa. Ele dá sinais de ser desprezível, mas é inegável que acertou na sua análise sobre as contradições de Ally.

A protagonista de “Cult”, mesmo com suas nuances extremas de transtornos mentais, é um retrato fiel da sociedade contemporânea. Nós tememos por nossa integridade física, diante do noticiário sobre crimes e da cultura do medo. Muitas vezes, até quem discursa sobre união e inclusão de pessoas, transforma a própria casa em uma fortaleza ou prisão, pelo medo do outro. American Horror Story faz mais uma vez um comentário político-social e consegue manter a imparcialidade, mostrando paradoxos dos espectros liberal e conservador da política norte-americana.

VIZINHOS
Ally tem mais um motivo para desconfiança. Um casal excêntrico se muda para a casa ao lado. A um primeiro olhar, o apicultor Harrisson (Billy Eichner) e Meadow (Leslie Grossman) Wilton parecem simpáticos, apesar de suas peculiaridades. A atuação de seus intérpretes ajuda nisso. Contudo, ambos dão indícios de estranheza. Para começar, foram os dois que filmaram o espancamento de Kai, o que possibilita supormos que pode haver uma ligação entre eles.

Meadow apresenta um medo – de sol, por ter desenvolvido câncer de pele – o que pode tê-la atraído para Kai e Winter (Billie Lourd), pessoas que prometem eliminar medos. Harrisson é paranoico ao ponto de montar um arsenal em casa com medo de que o então presidente Barack Obama acabasse com a segunda emenda da constituição norte-americana, que protege o direito de as pessoas portarem armas. Ele também faz um discurso que pode ser uma referência à forma de atuar de uma seita, ao explicar que o bom funcionamento de uma colmeia depende do fato de que cada abelha desempenha seu papel sem questionar. Qual seria o papel dos Wilton?

Se eles tiverem relação com Kai, Ally está sendo cercada. Fora e dentro de casa. Winter continua a tentar desestabilizar a família com discursos duvidosos para Oz e passando a tentar seduzir Ally. Cada vez mais fica claro que ela é o alvo de Kai, por algum motivo. Os medos de Ally ficam cada vez menos questionáveis, porém a forma como ela é isolada dentro desses medos a induz à deterioração e a agir de forma como ela mesmo condenaria.

Os temores fazem com que ela aceite uma arma emprestada de Harrisson. A ficção tem um princípio chamado de Arma de Tchekhov, em homenagem ao escritor russo Anton Tchekov, segundo o qual se, em uma parte da história você mostra um rifle, ele precisa ser disparado nos próximos capítulos, ou nem deveria ter sido citado. Quando Ally se encontra em uma casa sem iluminação, possivelmente invadida, a arma mostrada no começo do episódio é disparada. O problema é que o medo e a vulnerabilidade de Ally a fazem atingir um inocente. A situação dela deve piorar, agora que ela atirou em um homem, com uma arma que não está registrada em seu nome. Era essa a intenção de seu vizinho ao entregar-lhe o revólver?

A trama de “Don’t Be Afraid of The Dark” ajuda o espectador a sentir mais empatia por Ally, ao ressaltar o quanto ela é isolada, como a falta de apoio concreto a deixa impotente, e como ela é presa de um medo que, bem possivelmente, não é delírio. No entanto, ver a heroína ser o tempo todo vitimizada é desconcertante (e depois de um certo tempo, frustrante) – por isso torcemos que a protagonista de “Cult” não seja permanentemente frágil.

A sétima temporada de “American Horror Story” se mostra narrativamente ainda mais minimalista do que a anterior e não me canso de repetir, isso é uma ótima qualidade. Quanto menos núcleos, melhor o desenvolvimento da história. O segundo episódio de “Cult” prende mais do que o primeiro, ao exibir os danos causados pela espiral de medo de Ally. Vimos que a protagonista está sendo perseguida e que seus próprios medos são a maior arma que os perseguidores podem usar contra ela. Agora está na hora de termos um contato mais explícito com a tal seita do subtítulo da temporada, que até o final do segundo episódio não foi mostrada de uma maneira direta.

Por Rafaela Tavares em 14 de September de 2017