Review de ‘Neighbors from Hell’, 3° episódio de ‘Cult’

Quem são as pessoas que moram ao lado? Como elas agem além dos poucos metros que as separam do nosso lar? O que seriam capazes de fazer se ultrapassarem essa distância e tivessem acesso à nossa intimidade? As incertezas sobre os humanos que vivem ao nosso redor transformam vizinhos ameaçadores em um clichê recorrente do terror. Como se esquecer da influência nociva que a vizinhança provoca na vida de protagonistas de filmes como “O bebê de Rosemary”? O próprio seriado American Horror Story tem seus exemplares de vizinhos malignos nas figuras dos Langdon.

A chegada dos Wilton à casa da frente é um ingrediente que aumenta as tensões e a sensação de perseguição que atingem Ally (Sarah Paulson). Primeiro veio a insegurança. Em “Neighbors from Hell” (Vizinhos do Inferno), a animosidade entre ela, Harrison (Billy Eichner) e Meadow (Leslie Grossman) se concretiza. O terceiro episódio de “Cult” utiliza o comportamento desagradável e suspeito dos vizinhos das Mayfair-Richards para dar corpo ao culto que elegeu Ally como seu alvo, embora ainda a trama mantenha um mistério sobre a real motivação da seita.

RACISMO?
O pânico  gerado por ter a própria casa invadida por palhaços estranhos envolveu Ally em um homicídio acidental. O medo descontrolado fez com que ela disparasse um tiro contra Pedro (Jorge-Luis Pallo), funcionário do próprio restaurante que havia ido até a casa para ajudá-la durante um blecaute. Se a polícia – ou melhor, o detetive Samuels (Colton Haynes) – está disposta a ser branda com a morte, a população de Brookfield Heights manifesta ações punitivas contra Ally, como protestos para rotulá-la de “assassina” e transformar o tiro acidental em um crime racial.

Os Wilton são as pessoas mais ativas na guerra contra Ally. O tom de sátira que acompanha a temporada desde o primeiro episódio atinge o grau mais intenso até o momento e o humor negro é alimentado principalmente pelos Wilton. Com o rosto dominado por expressões sérias, os dois aparecem na porta de Ally vestindo sombreros e a metralham com frases absurdas, em que a acusam de racismo e xenofobia de maneira incisiva e cômica, ao mesmo tempo.

“Qual a sensação de exercer seu privilégio branco executando pessoas de cor com impunidade?”, diz Harrison. “Sabia que eu fiz o teste genético da 23andMe, e descobri que eu sou 10% Mexicano? Isso te dá vontade de me matar?”, ele complementa. “Você viu um belo rosto moreno e imediatamente pensou que se tratava de um ‘‘invasor doméstico’’”, finaliza sua esposa. Grossman e (principalmente) Eichner, com sua atuação convincente e divertida, com a seriedade com a qual pronunciam absurdos, se tornam o ponto alto do episódio. O terror a que eles produzem é o de afogar a vizinha num sentimento de absurdo e injustiça.

Quem achou que o produtor Ryan Murphy, famoso por levantar bandeiras, fosse utilizar “Cult” para promover uma defesa pesada às minorias se enganou. O humor negro de “Neighbors from Hell” é exercido em várias cenas em que o roteiro se posiciona contra a futilidade de problematizações cegas. Há também alfinetadas sutis a um certo tipo de liberais, que como Ally, se consideram isentos de preconceito, mas que não sabem lidar com o fato de que gozam privilégio branco. “Ninguém é menos racista que eu”, ela resmunga em um momento (embora no episódio anterior, a própria Ally tenha utilizado estereótipos raciais ao concluir que Pedro, nascido nos Estados Unidos, seria um imigrante só pelo fato de ele ser hispânico).

Intencionalmente ou não, o drama de Pedro mostra uma população norte-americana querendo protagonizar os holofotes sobre uma discussão sobre o que pode ser ou não um crime de xenofobia. É o caso dos Wilton e da maioria dos manifestantes contra Ally. Infelizmente, a própria temporada poderia ser alvo de uma problematização (exagerada ou não) por usar imigrantes hispânicos como meros acessórios narrativos que existem apenas para movimentar as tramas dos personagens principais brancos. Pedro é só o homem em quem Ally atira e a morte dele tem mais efeito de atormentá-la do que de humanizá-lo. Se o roteiro deseja fazer uma crítica sobre o tema, isso ainda não ficou bem definido.

CERCO

Mais do que fazer um comentário social sobre a situação dos estrangeiros nos Estados Unidos da era Trump, “Neighbors from hell” se ocupa em mostrar como Ally se encontra cercada. A perseguição feita pelos vizinhos e a ligação dos dois com o detetive Samuels são indícios de que todos eles podem fazer parte da seita liderada por Kai (Evan Peters). Cenas paralelas de reunião de Meadow e Harrison com Kai comprovam o relacionamento entre eles.

Quase todos com quem a personagem de Sarah Paulson interage parecem ligados ao culto. Fora os vizinhos e o detetive, a babá Winter (Billie Lourd) é irmã de Kai e joga iscas para corromper o filho de Ally, Oz (Cooper Dodson). O psiquiatra que a atende, Dr. Rudy (Cheyenne Jackson), teve como paciente uma mulher que foi atacada pela seita e que foi trancada por palhaços em caixão (uma fobia da vítima). O médico conversa com Ally ao telefone enquanto brinca com broches em formato de “Smileys”, parecidos com o símbolo pichado em paredes de imóveis pela seita quando escolhe suas vítimas.

Em meio ao turbilhão que se tornou a vida de Ally, Kai insiste em uma aproximação. Ele a procura no trânsito para dizer que admira sua coragem por ter matado um imigrante em defesa. Um gesto de Kai é o suficiente para dispersar uma multidão que protesta contra Ally (seriam todos os manifestantes membros da seita que ele controla?), ato que faz com que ele lembre uma figura messiânica. Pela primeira vez, Ally é receptiva ao conforto oferecido por ele.

Por algum motivo que ainda não ficou claro, Kai exerce poder sobre as pessoas. Talvez seja uma promessa de livrá-las de seus medos. Ele manipula Meadow a aceitar o próprio temor de solidão para superá-lo. Mais que isso, ele age com superioridade sobre ela quando ela zomba de sua revolução, a agride e ofende, sem que a artesã reaja em defesa própria. Kai é capaz de fazer Harrison admitir que gostaria de que a esposa e melhor amiga morresse, para que ele pudesse abraçar totalmente a própria homossexualidade.

De onde vem a autoridade de Kai? A série ainda não foi convincente em mostrar qual o apelo dele como líder de seita. A atuação de Evan Peters é excelente, porém o personagem ainda não se tornou magnético como um chefe de culto deveria ser. Até o momento o discurso dele foi vago, juvenil, digno de rapazes que cospem frases conservadoras em redes sociais, cheias de estatísticas tiradas de fakenews do Facebook. Talvez ainda falte alguns episódios para temporada desenvolver melhor o personagem. Que ele ainda não é um vilão pleno, não é.

Estamos no terceiro episódio, e somente agora “Cult” delineou insinuações sobre a atuação da seita do subtítulo da temporada. A temática ainda é uma promessa para episódios futuros. Contudo, em “Neighbors from hell” a trama acelera, rompe o marasmo das dúvidas repetidas sobre a sanidade de Ally para evidenciar que ela está sendo mesmo perseguida. Por ser mais intenso, o terceiro episódio é o melhor até o momento.

MISTÉRIO

A tensão aumenta e o descontrole de Ally também. Alguém chega a invadir a casa dela e colocar um porquinho da índia no forno microondas (uma cena grotesca que é uma referência a uma brincadeira maldosa feita por uma vilã da primeira temporada). A casa das Mayfair-Richards é marcada pelo símbolo da seita. Anúncios na internet publicados por anônimos convidam homens para encontros sexuais indesejados no lar do casal de lésbicas. Como se não bastassem as consequências pela morte de Pedro, a rua de Ally passa ser perseguida por um caminhão que dispara um misterioso gás verde. Seja qual for os efeitos da substância em humanos, ele é capaz de matar pássaros. O veículo também é uma provável peça da seita que persegue Ally, já que é ocupado por pessoas que usam máscaras idênticas ao do desenho de sorriso utilizado como símbolo do grupo.

Ela passa também por um problema conjugal quando os avanços de Winter são interpretados por Ivy (Alison Pill) como uma prova de que Ally está tendo um caso com a babá. O casamento das duas é ameaçado, o que isola mais uma vez a personagem de Sarah Paulson.

Outro ponto positivo do episódio é que embora os ânimos da protagonista se deteriorem, ela se torna finalmente mais proativa e tenta se impor contra supostos inimigos como os vizinhos. Infelizmente para a personagem, essa imposição acaba a vitimizando quando a casa vizinha é alvo de uma nova tragédia. Meadow desaparece deixando um rastro de sangue e um Harrison que aponta Ally como culpada. Quais as intenções dos vizinhos e da seita? Ainda nada é claro. No entanto, a temporada aponta para um cerco em torno de sua protagonista.

Cada vez mais, Ally se sente desamparada pela própria família e comunidade. Assim, ela é impulsionada em direção à mão oferecida por Kai. Existe a tensão, existe o desespero, existe os perigos da cultura do medo. Tudo isso foi trabalhado de forma introdutória durante os três primeiros episódios (e com eficiência maior do terceiro). Agora resta a temporada cumprir com seu potencial.

 

Por Rafaela Tavares em 21 de September de 2017