Review: O apelo dos sustos em ‘Capítulo 2’, o segundo episódio de ‘Roanoke’

Negação é apontada por psicólogos como um mecanismo comum contra os traumas. Quando analisam os artifícios de defesa da mente humana, esses profissionais se baseiam em experiências de pacientes que passaram por situações extremas, mas que obedecem a lógica da natureza. O que eles diriam sobre as reações diante do sobrenatural? A negação ainda seria um mecanismo básico? Talvez isso explicasse o comportamento dos Miller no início da sexta temporada de “American Horror Story”.

Vejo um grupo de pessoas com roupas de outra época fazerem um ritual de sacrifício humano. Ativo a negação. Acho melhor interpretar como uma pegadinha bem elaborada por vizinhos caipiras mal intencionados. Presencio enfermeiras atirarem em uma idosa dentro da minha cozinha. Aciono a negação. Prefiro pensar que é efeito colateral de uma batida em minha cabeça.

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Em seu segundo capítulo, o falso documentário “Meu Pesadelo em Roanoke” continua a oferecer os elementos clássicos programas televisivos sobrenaturais. Os depoimentos são gravados com rostos em primeiro plano contra um fundo neutro, as reconstituições do passado são acompanhadas por uma trilha sonora de suspense. As situações mostradas intensificam ainda um outro clichê do formato: a falta de lógica dos envolvidos.

Os protagonistas insistem em se expor ao perigo inatural e permanecem no local assombrado, apesar de todas as evidências. Shelby (Sarah Paulson/Lily Rabe), Matt (Cuba Gooding Jr./André Holland) e Lee (Angela Bassett/Adina Porter) continuam a duvidar um do outro e, pior, rejeitam como irreal aquilo que seus próprios olhos registram.

Como não poderia deixar de ser, a negação do óbvio faz com que eles tomem decisão ruim em um momento, decisão pior ainda em outro. A principal de todas é não se mudar, esperar a venda da casa para recuperar os investimentos. Mas 40 mil dólares vale mais do que possíveis encontros com seres raivosos, corpóreos ou incorpóreos? Confesso que eu preferia a falência.

SUSTO

Se os personagens em histórias de terror fossem racionais, a maior parte delas não aconteceria. O trio de protagonistas de “Roanoke” podem ser descritos como muita coisa. O adjetivo de “lógicos” não seria uma delas, por isso permanecemos como confortáveis espectadores de seus tormentos como vítimas de uma série de horrores.

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Para nosso prazer, esses horrores são intensos o suficiente para nos entreter quase ao ponto de ignorarmos por alguns instantes suas más decisões. Cada temporada de “American Horror Story” trabalha uma veia do terror. A primeira tinha uma pegada psicossexual, a segunda apelava para o horror psicológico, a terceira utilizava um terror cômico. Já “Roanoke” trabalha bastante os clássicos sustos. Felizmente não se trata de “jumpscares” baratos. A combinação de trilha incidental, suspense e enquadramento, na maior parte das vezes, pelo menos, resulta em satisfação. A cena culmina em aparições do horrendo Homem Porco, de partes suínas pregadas na parede, de colonos armados com ar satânico.

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Além disso, a tensão atinge o espectador também em sequências prolongadas com visões perturbadoras. No segundo episódio, duas delas se destacam pela crueldade que mostram. A primeira abre o capítulo. Pessoas com roupas de colonos se deliciam enquanto brutalizam um homem que sofreu já um escapelamento. Eles encaixam uma cabeça de porco morto em sua cabeça, pregam rabo em seu corpo, até que o queimam.

A falta de informação que temos sobre os possíveis colonos por si já é uma forma efetiva de incomodar o espectador. Não sabemos se são entes do passado, se são fantasmas, se são adoradores do demônio. Ainda assim, eles causam mal estar, sobretudo a líder interpretada por Kathy Bates (sempre eficiente em ser ameaçadora) e a jovem animalesca que a acompanha, vivida por Lady Gaga.

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MORADORES

A segunda sequência perturbadora apresenta crimes de antigas moradoras da casa de campo. O relato lembra a estrutura da primeira temporada, em que cada episódio mostrava um pouco sobre habitantes do passado do imóvel. Assim como a “Murder House“, a residência de “Roanoke” já abrigou enfermeiras. As da primeira temporada foram assassinadas por um maníaco, uma tragédia baseada nos homicídios reais cometidos por um serial killer da década de 1960 chamado Richard Speck. As enfermeiras da sexta temporada também foram inspiradas em um caso histórico, porém elas não são as vítimas.

Estados Unidos real, final da década de 1980. Gwendolyn Graham e Cathy Wood utilizam o trabalho de enfermagem para ter acesso a idosos vulneráveis. Elas escolhem as vítimas pelas iniciais para que a primeira letra do nome de cada uma delas forme a palavra M-U-R-D-E-R (“assassinato” em inglês). As duas fazem isso para fortalecer o vínculo de amor entre si.

Estados Unidos fictício, final da década de 1980. As irmãs Bridget (Kristen Rake) e Miranda (Maya Berko) utilizam o trabalho de enfermagem para ter acesso a idosos vulneráveis. Elas escolhem as vítimas pelas iniciais para que a primeira letra do nome de cada uma delas forme a palavra M-U-R-D-E-R (assassinato em inglês). As duas fazem isso para fortalecer o vínculo de amor entre si.

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O paralelismo é gritante. A única diferença é que Bridget e Miranda não conseguiram cometer o último crime, a morte representada pela última letra “R”. Elas foram impedidas por alguma força que afeta a casa de campo onde atuavam e agora suas manifestações assombram o lugar.

A narrativa de “Roanoke” segue em passos lentos. No segundo episódio espiamos um pouco dos atos do grupo de colonos e somos apresentados efetivamente apenas a três moradores antigos do imóvel onde vivem os Milles – às enfermeiras e ao desesperado professor Cunningham (papel de Denis O’Hare, em mais uma ótima interpretação), e olha que já tivemos pequenos vislumbres deles na premiere.

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Cunningham é o rosto mostrado em filmagens amadoras feitas no terreno da casa e na floresta. Ele se mudou até o local para levantar informações para escrever um livro criminal, segundo ele próprio, no estilo de “Helter Skelter” (obra real de 1974 sobre os crimes da família Manson, assinado por Vincent Bugliosi e Curt Gentry). Registros de sua má decisão de investigar o ambiente poderiam ajudar Shelby e Matt a fazerem a escolha certa de fugir da casa, mas podemos contar com eles para ignorar a opção mais sensata.

FILHA
Já que voltamos ao assunto da irracionalidade, o casal, porém, não é o campeão do segundo episódio. A ex-policial Lee lidera a lista das besteiras cometidas pelos protagonistas ao expor sua filha Flora (Saniyya Sidney) aos já perceptíveis perigos que a família interpretava como vindos dos tais vizinhos mal intencionados. Não importa se a criança dá indícios de conversar com uma amiga invisível, fale de sangue ser derramado naquele local e é explícita ao avisar que todos morrerão ali.

Tanto faz se o ex-marido Mason (Charles Malik Whitfield) – o único ser humano sensato da temporada – se assusta com a situação, leva garota embora e a proíbe de voltar ali. Lee busca Flora novamente, o que termina com seu desaparecimento. Pelo lado positivo, as interações entre mãe e filha são uma oportunidade de apreciar Angela Bassett em uma atuação mais vulnerável e sensível.

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Se a atmosfera sombria, os sustos bem elaborados, e a narrativa mais simples são os pontos fortes da temporada, a exagerada estupidez dos personagens principais pode ser apontada como o mais fraco. O que gera uma dúvida… E se a estupidez for intencional? Seria possível que ela indicasse algo sobre o futuro da temporada? Tudo que vimos foi narrado por Shelby, Lee e Matt. Mas é se eles forem narradores pouco confiáveis? Isso é uma possibilidade? Ainda só podemos especular.

Contudo, o produtor Ryan Murphy já deixou claro que haverá uma reviravolta na temporada a partir do sexto episódio e que tudo que pensamos estar vendo não é o que pensamos. Talvez os protagonistas não sejam tão irracionais assim. Talvez eles mintam, talvez estejam em negação sobre algo pior. Ou será que eu, como espectadora, é que estaria em negação?

Confira também o promo do próximo episódio, “Chapter 3”, escrito por James Wong e dirigido por Jennifer Lynch, que vai ao ar na próxima quarta-feira no FX USA:

Por Rafaela Tavares em 23 de September de 2016