REVIEW: O relato brutal de ‘Chapter 5’, o quinto capítulo de ‘Roanoke’

O relato em formato de documentário sobre a estadia da família Miller em um casarão mal-assombrado na região de Roanoke começou em ritmo compassado. Era como correr pelos primeiros trilhos de uma montanha-russa de horror. Ainda dava para apreciar a paisagem, acostumar o corpo ao assento, ter arrepios somente com uma curva ou outra, arquitetada para gerar um breve sobressalto e tensão na medida certa para a fase inicial. Mas algum passageiro conseguiu respirar nas duas últimas etapas da pista?

Fizemos um movimento pronunciado de subida, a viagem se acelerou em “Chapter 4” (Capítulo 4), seguida pela intensificação da adrenalina em “Chapter 5” (Capítulo 5). Foi como experimentar quedas bruscas, seguidas de várias inversões de 360°. Tudo isso em passeio brindado com estripação de personagens carismáticos, empalação, fantasmas asiáticos com ossatura desconjuntada, canibalismo e marretadas na cabeça.

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Todos sabíamos que os três protagonistas sobreviveriam à experiência, afinal, eles a narravam para as câmeras. Porém, a tensão não desapareceu. A verdade é que o espectador temia por si mesmo. Será que os nossos olhos iriam se encontrar com o Piggy Man no final do corredor? A qual nova forma de mutilação seríamos testemunhas? Ao mesmo tempo que o público temia, ele ansiava pela monstruosidade. Há seis anos somos treinados a sermos sadomasoquistas.

A impressão é de que a história dos Miller como donos da casa de campo de Roanoke terminou – ou pelo menos, chegou ao fim o primeiro contato de Shelby (Sarah Paulson e Lily Rabe), Matt (Cuba Gooding Jr. e André Holland) e Lee (Angella Bassett e Adina Porter) com aquele local, já que é impossível saber o rumo que a sexta temporada tomará na segunda metade.

É difícil negar que a narrativa da primeira parte de “Roanoke” foi eficiente como história de terror. Tivemos uma introdução ao ambiente e a um formato diferente de relato, experimentamos sustos, vivemos tensões, testemunhamos violência, conhecemos uma mitologia, e não fazemos ideia de para onde seremos transportados.

MITOLOGIA

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Depois dos esclarecimentos do escritor fictício Elias  Cunningham (Denis O’Hare) sobre como os atos da Açougueira (Kathy Bates) contra a própria colônia alterou a natureza do terreno de Roanoke, uma autora verdadeira explica a origem do casarão. A historiadora mostrada nos depoimentos de “Meu pesadelo Roanoke”, Doris Kearns Goodwin (interpretada por ela mesma), é uma pessoa real, conhecida por seu trabalho com biografias de homens de poder do passado como Abraham Lincoln, Franklin Roosevelt, Theodore Roosevelt e Lyndon Johnson. Em sua participação em “American Horror Story”, ela contou os últimos momentos de um aristocrata chamado Edward Phillippe Mott, responsável por construir a casa de Roanoke. Sim, Doris introduziu o fã do seriado ao novo personagem de Evan Peters e a um antepassado do psicopata Dandy Mott (Finn Wittrock) de “Freak Show”.

Como seu descendente, Edward é extravagante, rico, arrogante, tem tendência a chiliques, possui pouca consideração por outros humanos e se deixa levar por reações desproporcionais a atos menores. Ele também é um amante da cultura erudita. Se Dandy dizia apreciar as artes cênicas, seu parente do final do século 18 tinha uma sensibilidade aguçada quando o assunto eram pinturas e esculturas. Sua preferência por isolamento o motivou a construir a mansão em um local afastado.

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Dandy costumava insistir que se considerava parte  do circo por ser diferente, se identificava como um alienado pela sociedade. Dandy sendo Dandy. Já Edward mas conheceu realmente o que é fazer parte de uma minoria e, nesse ponto, ele não estava sendo melodramático. Nem mesmo suas posses poderiam ser um escudo efetivo sobre isso. Ele sentia o tempo todo que era julgado por ser homossexual, por isso teve dificuldades em atribuir ao sobrenatural a destruição de seu acervo. Edward era vítima da Açougueira, mas preferiu culpar seus criados.

Peters funciona bem mais em “American Horror Story” quando não é parte de um casalzinho romântico e já demonstrou isso em “Hotel”, com March. Novamente seu personagem é único, tem um sotaque incomum, é capaz de violência, tem boas frases e rouba cena. Vale destacar que a presença dele é aprimorada com um efeito especial que transforma seu rosto em mais fantasmagórico.

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Edward comprova uma tendência da temporada. Já que os protagonistas de “Roanoke” (sobretudo Shelby e Matt) têm personalidades insossas, coadjuvantes cheios de vida se sobressaem. É o caso de Mott, Cricket (Leslie Jordan – e agora vamos fazer uma pausa para relembrar o trauma da extração das vísceras explícita daquele pobre homem que eu ainda não superei) e Elias. Como não poderia ser diferente, esses coadjuvantes têm fins brutais.

CANIBALISMO

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Por falar em brutalidade, o quinto episódio de “Roanoke” nos apresentou de maneira mais adequada aos Polk. Sabe aquela família que tentou arrematar o casarão? Lembra dos irmãos que se masturbavam no meio do mato enquanto um Matt em transe era sexualmente explorado por Scáthach (Lady Gaga)? Já se esqueceu das duas crianças ferais amamentadas por uma porca? Os Polk realmente se enquadram no esteriótipo de caipiras psicóticos no melhor estilo “Amargo Pesadelo” (1972) e (particularmente) “O Massacre da Serra Elétrica” (1974).

Se o aguardado reencontro com Evan Peters foi agradável, a presença inesperada de Frances Conroy como a matriarca dos Polk foi o ápice da satisfação. Ryan Murphy e Brad Falchuk, por favor, deem mais espaço para essa mulher! Frances é versátil, Há viveu uma empregada fantasma com rancor dos homens, um anjo da morte, uma detenta violenta, uma bruxa amante da alta-costura, uma socialite e agora uma matrona suja e canibal. Em todas suas encarnações em “American Horror Story” ela foi não apenas convincente como uma delícia de assistir (mesmo quando ela nos deixa ameaçados).

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No mesmo episódio, fomos amedrontados por um fantasma asiático no melhor estilo “O Grito” (2004) e passamos a temporada toda com medo do Piggy Man. Porém, ecoa mais uma vez a temática chave do seriado: “todos os monstros são humanos”, frase pronunciada pela Irmã Jude (Jessica Lange), em “Asylum”. Poucos elementos em “Roanoke” perturbam tanto quando a Mamãe Polk e seus parentes, totalmente humanos e aliados da “Açougueira”. Eles evidenciam isso ao decepar pedaços de Elias para preparar carne seca e ao martelar o rosto do pobre professor. Reiteram ao dar uma machadada no calcanhar de Shelby.

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ESCAPADA

Desde a mutilação de Shelley na segunda temporada, “American Horror Story” não explorava tão bem o terror físico. Entre desmembramentos, intestinos arrancados, esmagamento, Shelby, Matt, Lee e Flora (Saniyya Sidney) conseguem escapar da Açougueira e sua multidão de fantasmas sanguinários. Podemos dar para eles as medalhas de protagonistas mais sortudos da história do seriado, levando em consideração que os adultos do grupo não são particularmente inteligentes. Alguém se lembra de uma decisão acertada deles?

Claro, que a família contou com ajudazinhas de vivos e mortos. No último momento, Ambrose (Wes Bentley) resolve se rebelar com a mãe. Ele não concorda com seus métodos desde antes de morrer e presenciar Thomasyn falar sobre a dor de perder um filho (muito falsa, já que ela só perdeu um filho porque o atacou com o cutelo) engatilha uma reação de Ambrose. Ele atira a mãe nas chamas. Como uma boa fantasma, ela se recupera mais assustadora, mas os Miller ganham tempo o suficiente para finalmente fugir para um motel barato. Custava ter tomado essa atitude antes da lua vermelha? Uma pausa, aliás, para todos montarmos o nosso altarzinho de adoração para Kathy Bates por sua atuação como vilã da temporada.

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Seguindo a tradição dos depoimentos em programas que revivem supostos acontecimentos sobrenaturais, os Miller nos irritaram com sua falta de atitude, nos incomodaram com seu ceticismo impossível, nos deixaram preocupados apesar de sabermos que os filhos da mãe viveria. E da mesma forma, “Meu Pesadelo Roanoke” termina sem sabermos se o relato dos três é real ou até se a reconstrução produzida no programa teria exagerado. Tudo bem, temos mais cinco episódios para descobrirmos. E que a segunda metade seja tão envolvente quanto a primeira. Recordo de ter terminado cada capítulo afirmando para mim mesma que aquele foi o mais forte deste ano até então. Com o quinto não foi diferente.

Por Rafaela Tavares em 14 de October de 2016