Terror e política: Como a 7ª temporada poderia abordar a temática das eleições?

O comentário de Ryan Murphy sobre a sétima temporada envolver a eleição presidencial americana de 2016 pegou certa parte do público de surpresa. “O que American Horror Story tem a ver com política?”, “Como uma temporada baseada nisso teria a ver com horror?” foram as perguntas mais vistas dentre os comentários a respeito disso. Só que ao contrário do que esta parte do público pensa, American Horror Story nunca demonstrou ser apolítica. O seriado sempre possuiu a habilidade de apresentar uma visão artística madura que inclui poderosas críticas sociais, tratando de temas que são problemas enraizados profundamente nos Estados Unidos: patriarcalismo, estupro e opressão contra o sexo feminino, doenças mentais, racismo, repressão religiosa, discriminação contra a comunidade LGBT e contra pessoas com necessidades especiais.

“Eles nem nos conhecem. Se conhecessem-nos, veriam que somos iguais a eles.”

Já tivemos inclusive personagens discutindo resultados de eleições anteriores, como quando Lalaurie (Kathy Bates), uma escravocrata imortal, se mostrou incrédula aos prantos por perceber que Barack Obama, um negro, ocupava o posto de presidente dos Estados Unidos. “A caixa mágica mente”, ela disse, olhando para o televisor. “Eu votei nele. Duas vezes. Nós também tivemos secretários de estado, membros da Suprema corte e até um poeta laureado negros”, respondeu Fiona (Jessica Lange).

“Não há nada mais que eu odeie do que um racista.”

COMENTÁRIO SOCIAL

Ao tocar nestas temáticas, American Horror Story definitivamente prova seu ponto de vista. É a perfeita demonstração de como a arte pode ser utilizada para oferecer um comentário social de uma maneira que possa entreter a todos. É um seriado livre, por vezes até abstrato, que sabe articular uma visão política que condena desigualdades, discriminações e quaisquer tipos de opressões ao colocar personagens femininas independentes desafiando um mundo patriarcal ou mostrando que a verdadeira aberração é um rapaz rico e bem-vestido em vez de artistas circenses de um “show de aberrações”.

A sétima temporada não será igual a American Crime Story. O mais provável é que a história não será uma reconstituição destas eleições. Existem inúmeras maneiras de integrar horror dentro de um tema político, existe até um nome para esta categoria de horror – political thriller. E para isso não precisamos necessariamente de uma narrativa sobrecarregada de elementos sobrenaturais, já passamos por quatro temporadas assim, e em certo ponto se tornará cansativo. A segunda e quarta temporadas conseguiram tratar de horrores pondo o sobrenatural para o segundo plano.

Questões como racismo, misoginia, xenofobia ganharam espaço na mídia devido aos discursos do novo presidente Donald Trump. Grupos radicais e ações radicais (construção de muros, impedimentos de entradas de nativos de determinados países) também foram fortalecidos com esse discurso. A temporada pode mostrar isso com alguma organização no estilo Ku Klux Klan perseguindo personagens que representem minorias raciais. Independentemente de nossa opinião como um público misto, não podemos ignorar o fato de que o posicionamento político de Ryan Murphy e grande parte da equipe do seriado é bastante contrário ao que prega Trump. Não é improvável que Murphy apele para isso.

Filma a cara deste demônio.

CINEMA

Também nada impede o terror sobrenatural de ser infiltrado pelo teor político. Mesmo que não ocorra de forma direta, clássicos do terror usam metáforas para tratar de assuntos de interesse social. “A Noite dos Mortos-Vivos” (1968) não foi criado só para divertir, por exemplo. O filme lançado no período das lutas pelos Direitos Civis tinha críticas sobre as relações raciais nos Estados Unidos. George Romero também compara a humanidade submissa à cultura consumista, que engoli tudo sem resistência, à horda de zumbis, em “A Madrugada dos Mortos” (1978). “Vampiros de Almas” (1956) usa simbolismos para brincar com a paranoia em relação uma hipotética dominação comunista. Até o slasher “O Massacre da Serra Elétrica” (1974) não trata apenas dos terrores de vítimas submetidas a uma família de canibais – o filme tem sutis críticas à Guerra do Vietnã.

“O Massacre da Serra Elétrica” (1974).

O ANTICRISTO

Há também casos menos sutis que misturam política e terror no cinema em que AHS pode se inspirar.

O filme “A Profecia” de 1976 é um clássico. A imagem do pequeno Damien Thorn interpretado por Harvey Spencer Stephens é um ícone do terror. Apesar da aparência infantil, o protagonista do longametragem é o Anticristo. A história de Damien não termina com este filme. Houve sequências e a terceira parte da franquia se encaixa na nossa lista. Lançado em 1981, “A Profecia 3: O Conflito Final” mostra o protagonista da série adulto e interpretado agora pelo ator Sam Neill. Damien lidera uma poderosa multinacional. O filme trata de sua relação com poder: a figura demoníaca é nomeada embaixador dos Estados Unidos no Reino Unido, ambiciona ocupar o cargo principal na Casa Branca e planeja matar Cristo, que está prestes a renascer.

“A Profecia 3: O Conflito Final” (1981).

Essa pode ser uma saída para introduzir a temática das eleições em AHS. Os produtores podem utilizar um personagem que represente o Anticristo (não necessariamente Michael Langdon). Ele pode ser alguém muito próximo a um candidato à presidência e manipulá-lo. Ou o próprio demônio pode concorrer ao cargo. A presença do Anticristo no cenário político poderia ser explorada ainda com a existência de políticos envolvidos com ocultismo. Seria uma forma de explorar o medo de catástrofes que podem ser causadas quando a pessoa (ou a entidade errada) assume o poder em uma grande potência.

DISTOPIA

A movimentação de uma campanha eleitoral foi o tema de “12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição” (2016), o terceiro filme da série “The Purge”. Provavelmente, não foi por acaso que o lançamento do filme coincidiu com o ano em que os norte-americanos realmente foram às urnas. Desde o primeiro filme da série, a questão do medo, das medidas extremas para conter índices de violência e a forma como as classes sociais diferentes podem lidar com o problema são assuntos que entremeiam a trama dos thrillers. Nesse universo distópico, uma vez por ano todo crime é tolerado durante uma noite. Quem tem recursos, se protege em casas que são fortalezas (ou não?). No terceiro filme, uma senadora bem posicionada nas pesquisas eleitorais passa a ser vista como inimiga dos amantes do costume de extravasar a violência por 12 horas, a querer terminar com a noite do crime.

“12 Horas Para Sobreviver: O Ano da Eleição” (2016).

Outra possibilidade é a sétima temporada fazer referência ao filme por utilizar um cenário distópico de violência e diferenças sociais para abordar eleições. Como já dito antes, Ryan tem o costume de falar sobre discriminações, opressões e como elas afetam minorias. E se houver candidatos entre os protagonistas, um deles pode se tornar alvo de uma parte brutal do eleitorado, se seu posicionamento os desagradar.

ALIENS

O medo do outro. A invasão da terra por extraterrestres muitas vezes é uma metáfora para períodos em que o país onde se passa a história se sente ameaçado por estrangeiros. Não é à toa que nos anos 50, época da Guerra Fria, foram produzidos tantos filmes com a temática. O americano médio vivia com medo de ser alvo dos soviéticos e esse temor se traduzia em filmes sobre invasões alienígenas.  “O Dia em que a Terra Parou” (1951), o já citado “Vampiros de Alma”, “Guerra dos Mundos” (1953) são alguns exemplos. É claro, que a temática alienígena não ficou restrita a esse período. Em 1996, o filme de ficção científica militar “Independence Day” tratou de uma invasão alienígena à Terra e da reação dos habitantes deste planeta, na qual o presidente dos Estados Unidos teve um papel importante (os spoilers ficarão por aqui).

“Independence Day” (1996).

Extraterrestres foi uma das muitas subtramas de “Asylum”. Em tempos onde se discute imigração e terrorismo como uma ameaça externa, não seria impossível abordar posicionamentos de candidatos em uma eleição presidencial diante de uma invasão alienígena – um deles poderia ter uma atitude belicista, o outro um posicionamento que privilegie o reconhecimento antes de optar por uma regra. Os aliens seriam os vilões ou, mais uma vez, os humanos seriam os monstros?

MONSTRUOSIDADE

E por falar em monstros, a parte suja da política mostra como homens corrompidos pelo poder podem ser nocivos. Seus atos alcançam grandes faixas da população de um país ou até fora dele. Arquitetos poderosos de esquemas políticos podem apelar para queima de arquivo com aliados que cometem erros ou estratégias perigosas de eliminação de inimigos. Ryan prometeu uma temporada divertida e assustadora. Quem não percebe a extensão da política na própria vida, teme que abordar eleições e bastidores do poder poderia resultar em algo tedioso. House of Cards, com personagens como Frank (Kevin Spacey) e Claire Underwood (Robin Wright), é um exemplo de que essas pessoas estão enganadas. A produção não é um filme e nem uma obra do terror. Porém, a série da Netflix mostra como uma trama política pode entreter e até assustar.

Uma temporada usando como fundo a eleição presidencial de 2016 no universo de American Horror Story é, na verdade, um prato cheio nas mãos de Brad Falchuck e Ryan Murphy e este artigo foi feito com intuito de mostrar os diversos caminhos que podem ser trilhados a partir desta temática. E você, leitor, tem alguma especulação ou ideia de como a sétima temporada pode abordar isto? Conta para a gente!

Por Rafaela Tavares e Gabriel Fernandes

Por Gabriel Fernandes em 20 de February de 2017

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.