Após anos acompanhando esta série, sabemos que American Horror Story não possui problema em criar eventos que são catastróficos em larga escala. Talvez o anúncio de que bruxas e magia existem de verdade, um culto que constrói uma base política, um apocalipse nuclear (que foi desfeito), ou talvez a destruição da cidade responsável por boa parte da indústria do cinema ocidental que hoje conhecemos, apenas por causa da ganância de uma única pessoa. De todo modo, quando há a escolha entre grandes ou pequenas proporções, American Horror Story vai escolher o lado maior. Isso ficou mais claro do que nunca com a series finale de Red Tide.
A situação em Provincetown se complica cada vez mais; a polícia do estado já está investigando todo os assassinatos sem explicação, e o conselho da cidade fica à cargo de por uma pausa no grande número de mortes que estão acontecendo nos arredores locais. Holden (Denis O’Hare) resume a situação de forma bem simples ao dizer que os invernos possuem acontecimentos estranhos, mas todos estão acordados a passar panos quentes a estas situações para se certificarem que no verão os turistas continuem a vir e façam o comercio local circular de forma eficiente, e nenhum investigador do estado vai impedir isso.
Isso nos leva de volta ao clímax da história da família Gardner, que tem sua conclusão no meio do episódio. Existem conspirações por cima de conspirações, com Belle (Frances Conroy) e Austin (Evan Peters) de um lado, e Harry (Finn Wittrock) e Alma (Ryan Kiera Armstrong) do outro, com os dois lados em conflito por motivos diferentes. Belle e Austin querem os Gardners mortos, para impedir a influência de Hollywood em Provincetown, poder preservar seu estilo de vida — que se encaixa no mesmo argumento de Holden — e impedir que quaisquer empecilhos que possam lhe prejudicar. Harry apenas quer que sua família saia ilesa da cidade e reinicie sua vida em outro lugar, vivendo apenas dos lucros que irá conseguir com o seu estoque de roteiros e poder se dedicar inteiramente à carreira de violinista de Alma, livre do uso das pílulas pretas. Entretanto, reformulando a frase de Ursula (Leslie Grossman), algumas portas jamais podem ser fechadas uma vez abertas. Conseguir isso jamais seria fácil para Harry, uma vez que conseguiu saber como é ser um gênio, ter um código moral que já foi arruinado uma vez é algo que fica apenas no conceito e jamais será recuperado.
E talvez seja este o objetivo deste episódio, ao final do mesmo, Ursula está palestrando para um grupo de escritores aspirantes em um seminário, e traz à tona um argumento sincero. Escrever não envolve tanto talento quanto envolve ser capaz de ignorar o tédio e rejeição e se dedicar bastante no duro trabalho de escrever roteiros, livros, músicas ou qualquer que seja o tipo de arte. A Musa é um atalho para liberar todo o potencial criativo, mas o que separa as pessoas talentosas das não-talentosas é o discernimento do que pode continuar a impulsioná-los a serem cada vez melhores, mesmo que saibam o quanto a pílula irá mudar suas vidas.
Todo o monólogo agressivo de Belle e o discurso incisivo de Ursula falam muito bem a respeito disso. No universo de American Horror Story, em particular, Hollywood é um lugar cheio de pessoas egoístas que estão dispostas a tudo para permanecer no topo. Pessoas como Harry, que aparentemente tem uma mudança de espírito e tentam se corrigir após conseguir garantir sua fortuna são raras. Outras pessoas, como Alma, não se importam com o novo estilo de vida. Ela é a melhor no que faz e sabe disso, e não existe nada que irá a impedir de se superar e rasgar gargantas até chegar ao topo e além.
E quando falamos que nada irá ficar no seu caminho, até seu próprio pai está incluso. As intenções de Alma jamais foram postas de maneira dúbia para a audiência, ela está sempre planejando algo. Entretanto, quando seu plano é executado, ainda é chocante, mesmo para os padrões de American Horror Story. E assim, temos uma sequência divertida e muito bem editada, com doses de gore e jump scares, particularmente quando os pálidos quebram as janelas da casa de Belle. Chega a ser um momento um tanto surpreendente (para quem não assistiu os trailers promocionais), pois a cena no cemitério é filmada de forma ambígua o suficiente que lhe faz ficar incerto se a família Gardner terá ajuda externa ou não. Entretanto, a decisão de culpar todos os assassinatos de Provincetown em Harry parece muito rasa, e é algo que poderia ter saído do roteiro de alguém que se tornou numa criatura pálida após tomar a pílula Musa.
Finn Wittrock, especialmente nestes episódios finais, entregou uma performance cheia de camadas. Sua exaustão enquanto ele tenta manter sua família unida, controlar Alma, e genuinamente acreditar que ele pode se redimir e recuperar sua honra após todas as vidas que consumiu para poder criar suas obras-primas. Claro, Ryan Kiera Armstrong continua como um grande destaque na temporada, especialmente quando divide tela com Lily Rabe ou Finn. Leslie Grossman continua a vender bem a caricata Ursula, que termina sendo encaixada como a nova mãe nessa estranha família e basicamente ganha um foco de personagem principal na reta final de Winter Kills.
O segundo ato de “Winter Kills” talvez teria funcionado melhor se o mesmo fosse o começo do episódio, e talvez assim a história não teria saído um pouco dos trilhos caso já tivesse começado em Hollywood e deixasse a audiência preencher as dúvidas com flashbacks ao longo do episódio. São tomadas uma série de escolhas fáceis, e um caminho simples é seguido, o que não é necessariamente ruim, mas tudo parece muito repentino. Uma finale que nos levasse a um flashfoward com uma cidade cheia de pessoas consumindo as pílulas pretas, ou um momento onde Alma é uma pessoa adulta e podemos ver o que uma vida inteira de consumo da pílula faria com um ser humano talvez não fosse uma melhor alternativa, mas provavelmente teria sido mais interessante do que recebemos. Tudo o que acontece na segunda parte de “Winters Kills” é mais uma conclusão rasa do que um preparo para algo mais rico. O uso das pílulas para se livrar de policiais ruins e fazer justiça social é algo que não havia sido abordado na temporada e parece um tanto deslocado, e tudo isso se desmorona num caos gerado por Ursula que pode levar a uma catástrofe maior. E nós, enquanto audiência, já vimos isso na série.
Red Tide possuir uma estrutura de seis episódios parece ter tido um benefício para American Horror Story em termos de novidade e resolução de problemas narrativos, por mais que mantenham esta estrutura ou não. Esta temporada poderia ter mantido seu caráter sucinto que tivemos no começo, mas a temporada possui mais acertos que erros e nos traz uma história com um começo, meio e fim claros. “O talento existe, mas não é nada sem habilidade” é uma frase dita nos momentos finais, mas termina sendo algo vazio com uma finale cujo segundo ato é rico em visuais grotescos e traições chocantes, mas conflitante quando falamos de conteúdo. É compreensível que exista um desapontamento que esta primeira parte termine sem o mesmo capricho que tivemos no episódio anterior, mas o mesmo não remove todos os pontos altos que Red Tide teve.