As alegorias do horror em “Gaslight”, quinto episódio de ‘AHS: Double Feature’

Enquanto a trama acelera, American Horror Story utiliza alegorias clássicas do horror para enriquecer sua história. Um dos pontos que chamaram atenção a esta série quando a mesma estreou dez anos atrás, foi a forma como a série foi obviamente escrita por fãs do gênero que queriam presentear outros fãs com várias referências a obras já consagradas. Às vezes temos um enquadramento específico de uma cena em um filme, um pedaço da trilha sonora, sobrenomes específicos de personagens já conhecidos em outras histórias. Tudo isso para fazer um verdadeiro banquete de horror para a audiência. E um dos temas clássicos dentro deste gênero é a mulher “histérica”, esteja a mesma grávida ou que tenha passado por esta experiência recentemente, ou que esteja mais propensa a não pode se defender sozinha, tendo que se acostumar ao fato de que as pessoas ao seu redor estão lhe maltratando.

O quinto episódio de Double Feature, “Gaslight”, faz exatamente isso – e o próprio nome do episódio já nos deixa a esperar que isto aconteça. gaslight ou gaslighting é termo relacionado a uma forma de abuso psicológico que ocorre em sua maioria dentro de relações afetivas. Para resumir, com a finalidade de manipular a vítima, informações importantes são omitidas e distorcidas a ponto de fazer com que a vítima duvide de sua sanidade mental. O termo se popularizou após a estreia de um filme com o mesmo nome em 1944, onde a protagonista do filme era manipulada desta forma. Não somente isso, tivemos cenas que nos levaram diretamente aos filmes Nosferatu e O Bebê de Rosemary.

Por mais que nós, enquanto audiência, estivéssemos torcendo pela personagem, a história de Doris jamais teria um final feliz. A série não se chama American Horror Story por acaso. Até mesmo os sobreviventes em temporadas passadas ficaram marcados pelo resto de suas vidas como resultado de suas experiências perturbadoras. Ninguém tem um final feliz, e podemos perceber quem em Red Tide todos os personagens estão se dirigindo ao mesmo caminho de amargura e infelicidade. Doris, tentando reunir sua família, encontra-se numa situação onde todos com quem convive mentem para ela, a traem e a pressionam a fazer coisas que ela não quer fazer. Esta situação virou um jogo onde a personagem que está se recuperando de um parto está cercada por pessoas que são inimigas de sua própria sanidade e segurança. Não havia saída. É uma traição chocante que parte da audiência já antecipava, mas Doris já está sujeita a este fim logo no começo do episódio. Lily Rabe não havia tido muito destaque nesta temporada até agora, então quando ela finalmente recebeu o foco neste episódio, ela nos entrega uma linda performance, tanto física quanto emocional, e em sua maioria enquanto está deitada em uma cama ou presa dentro de um banheiro.

A relação entre TB Karen e Mickey continua a ser doce, porém um pouco amarga. Sarah Paulson prova o quão brilhante é enquanto atriz mais uma vez, mergulhando completamente na personagem e se entregando a todos os trejeitos super expressivos que ela tem. O roteiro já nos adiantava o que iria acontecer, mas não retira todo o clima pesado e triste do que estava por vir. Os dois eram personagens que só possuíam uma saída da situação em que estavam, e o compromisso que um tinha com o outro era de se ajudarem, mesmo que fosse através de prostituição, sequestro, ou consumindo a Musa. Karen não é necessariamente uma pessoa amigável, mas Sarah Paulson nos faz simpatizar com a moradora de rua, e Macaulay traz uma estranha simpatia para Mickey também, mesmo quando ele está fazendo coisas erradas é difícil o olhar com julgamento pois sabemos que mesmo de forma manipuladora, ele está tentando ajudar uma pessoa que ama.

O trio Harry, Ursula e Alma, entretanto, não merecem piedade da audiência. Alma é uma criança, e mesmo que pareça não compreender o conceito de morais, ela sabe exatamente o que está fazendo, e Ryan Keira Armstrong faz um incrível trabalho entre estar na linha tênue entre a ignorância infantil e a manipulação. Finn Wittrock também possui um personagem com moral ambígua e cumpre bem o seu papel através do decorrer do episódio até chegar ao momento onde o mesmo cede para o seu pior lado, após Doris virar uma das pessoas pálidas. Ursula é apenas a pessoa terrível que já conhecíamos desde a primeira vez que apareceu em tela, e Leslie Grossman se deleita no comportamento doentio da personagem, particularmente nas cenas onde a mesma tenta esconder sua natureza passiva-agressiva.

O episódio foi dirigido por John J. Gray, que conseguiu guiar o elenco com maestria para várias mudanças de humor e comportamentos ao longo do episódio. Tendo em conhecimento que todos estão em uma posição diferente do começo ao final do episódio, a jornada de Doris se demonstra a mais pesada e chocante enquanto a mesma se recupera ao mesmo tempo que tenta suportar o fato de que está sendo drogada e manipulada por sua família que tanto ama. Em “Gaslight” temos todos os terrores do processo de parto e cuidados de um recém-nascido numa obra de horror, com Lily Rabe dedicada até sua alma ao papel de uma mãe frustrada, privada de sono e completamente dopada. Na vida real, quase todas as pessoas teriam pessoas de confiança que poderiam cuidar de seus filhos numa situação de necessidade, mas Doris não possui mais este privilégio. Ao invés disso, ela acorda com a imagem de sua filha mais velha tentando devorar seu filho recém-nascido, enquanto o seu marido tenta finalizar o seu trabalho de reforma da casa com outro profissional, pois não confia na experiência da mesma como designer de interiores.

O fato de que Harry termina estando correto a respeito da falta de talento de Doris é apenas um pouco de sal na ferida já aberta. A última pessoa que poderia proteger o bebê Eli agora está fora de sua vida, e ele está a mercê de sua nova vida onde precisa produzir roteiros perfeitos sem parar, uma criança com manias controladoras, e uma agente de talentos de Hollywood que não possui coração. Apesar de que o episódio tenha encerrado algumas tramas, sabemos que o bebê está no menu de Belle Noir, e teremos que ver o que o aguarda na season finale de Red Tide.

Por Gabriel Fernandes em 22 de September de 2021

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.