Crítica do site Omelete sobre Freak Show

Segundo o site, a quarta temporada redimiu a série, trazendo de volta mais horror e drama. Cotaram a temporada com 5 ovos (equivalente á 5 estrelas, excelente). Confira a crítica escrita por Henrique Haddefinir logo a seguir:

Em 1932, o cineasta americano Tod Browning  levou às telas o clássico Freaks, que a partir da história de amor entre uma trapezista mentirosa e um anão chocou a sociedade da época com uma discussão sobre o valor das aparências, e incomodou tanto que chegou ao ponto de provocar uma série de censuras ao filme. Freaks falava da inevitável flexibilidade moral de um bando de personagens marginalizados que era obrigado a viver de acordo com os seus próprios códigos. O que é ser uma aberração? Como se sentem aqueles que nasceram marcados pela natureza mas são constantemente ligados à ideia do antinatural?

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Houve muita expectativa sobre qual seria o tema da quarta temporada de American Horror Story depois da controvérsia que foi a exibição de Coven, com suas muitas alegorias e alguma falta de coesão. Agora que American Horror Story: Freak Show terminou, já podemos dizer que a equipe do produtor Ryan Murphy foi bem sucedida ao acertar arestas.

Além de muito segura na sua narrativa, a quarta temporada também aliou seu apelo visual agressivo com uma boa dose de drama. Assim como vimos em Asylum, a temática deste ano esteve muito ligada a mazelas sociais. Ao escolher o início da década de 1950 para explorar o universo dos circos, a série poderia não só discutir as dinâmicas internas do grupo, mas também olhar panoramicamente para a década da decadência dos chamados freak shows: quando eles terminam, para onde vão seus “astros”?

As estrelas que nunca pagam

Um dos últimos circos de aberrações ainda de pé nos EUA montou acampamento em Jupiter, na Flórida. A dona era Elsa Mars (Jessica Lange, com um irresistível sotaque alemão), que disfarçando seus sonhos de estrelato com um trabalho de exploração dos excluídos recruta aquele que seria seu carro chefe dali por diante: as gêmeas siamesas Bette e Dot (Sarah Paulson, que com uma interpretação sensível representou a angústia do confinamento em contraste com a descoberta de um “lar”).

Tudo nesse primeiro momento do show é sobre encontrar e ter um lugar. Para aqueles, de qualquer época, que estão à margem por alguma razão, coisas simples como compartilhar um gesto podem fazer toda a diferença. Por causa disso, era necessário que a série fizesse uma volta no que tinha estabelecido até aqui. Sempre houve drama, mas é como se o tema deste ano exigisse uma atenção especial. Assim, saíram de cena os ângulos agudos, desfocados, e entraram em cena um texto mais apurado, perturbadores toques angelicais na canção de abertura e um investimento mais claro no horror. E essa temporada teve doses cavalares de horror, com sequências sanguinolentas que deixariam orgulhosos os fãs do gênero.

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Mas e o destino das aberrações após os shows perderem seu público? É o segundo grande conflito que a dramaturgia da série estabelece nessa temporada: o que define o ponto em que os outros não te aceitam e você mesmo passa a não se aceitar? As motivações dos personagens, por isso, tinham direcionamentos específicos. A sensacional mulher barbada vivida por Kathy Bates sentia-se uma vítima do mundo, já o garoto lagosta vivido por Evan Peters projetava seu amor fraternal em todos os amigos de circo, mesmo que sua necessidade de normalidade o esmagasse. Ele se dava bem com as gêmeas siamesas, que passaram boa parte do tempo achando que precisavam investir tudo em se separar. Quase todos eles viviam sob a melancolia de se acharem prontos para fazerem a diferença no mundo.

É claro, também, que numa produção de Ryan Murphy sobre aceitação, não poderia faltar uma discussão sobre qual é o significado de uma verdadeira aberração. Michael Chiklis veio cumprir esse papel ao viver um homem sem nenhuma deformidade física, mas com uma homossexualidade latente que para ele era muito pior que qualquer membro extra. A psicopatia de Dandy (Finn Wittrock, numa surpreendente atuação) também entrou nessa discussão. A natureza, enfim, produziu aberrações muito mais perigosas, aquelas que realmente se devem temer.

“- Nosso mundo está morrendo.”

Essa frase é uma espécie de anunciação do season finale da temporada. Freak Show cobriu todas as frentes do espetáculo de horrores e investiu em tudo que foi possível sem comprometer a boa condução da trama principal. Impossível não olhar para trás sem reconhecer que houve uma riqueza substancial na exploração desse nicho.

Quando tudo começou a entrar em colapso, um dos destinos encomendados, em particular, também ajudou a movimentar a temporada. O anúncio de que a personagem Pepper (Naomi Grossman), vista em Asylum, retornaria para a série, denunciou uma possível conexão entre as temporadas, algo que Murphy sempre se recusou a admitir. Logo depois, a declaração de que Mary Eunice (Lily Rabe) também voltaria reafirmou essa questão. O episódio que trouxe essa espécie de crossover foi um dos pontos altos da temporada, quando a melancolia de ver-se sem lugar no mundo ganhou outra proporção emocional. Um a um, os freaks iam chegando ao fim da linha e a angústia diante desses eventos só era maior porque já estava implícito que não haveria espaço para um final feliz.

A solução seria abraçar o lúdico… E toda a controvérsia levantada no season finale partiu dessa premissa. Em um momento do primeiro episódio, Elsa diz a uma atendente de lanchonete que não vai pagar a conta porque “estrelas não pagam”. No finale, sua personagem é levada à realização de seus sonhos apenas para que fique claro para todos nós que a felicidade nunca se esconde nas conquistas externas. Amaldiçoada pela própria incapacidade de ser feliz, Elsa se entrega ao fim da linha e ganha uma redenção espiritual que faz ela mesma se perguntar se não devia estar pagando pelos pecados que cometeu.

Ethel lhe diz que “estrelas não pagam” simplesmente porque não se pode culpá-las por inspirarem o mundo com seus desvios. Em retrospectiva, o massacre visto nesse finale diz a mesma coisa com outra voz: os freaks, defensores agressivos do próprio código, não pagam com o sofrimento lento de uma vida em desgraça. Então, não importa se eles rastejam na lama para assassinar um traidor como na cena inspirada do filme de Browning… No mundo de órbitas diferenciadas de Freak Show, vale resolver o mistério do que acontece quando as cortinas descem, usando a fórmula mais eficaz de American Horror Story: encontrar a substância da beleza nas maiores representações do feio.

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Fonte: Omelete

Por Gabriel Fernandes em 15 de February de 2015

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.