Deus e trauma em “Mr. Jingles”, 2º episódio de “1984”

“Tudo o que você precisa para ter a liberdade de fazer o que quer são duas coisas: Deus e trauma”, explica Margaret (Leslie Grossman) para o serial killer satanista Richard Ramirez (Zach Villa). E é o trauma que cria uma estranha ligação entre uma sobrevivente de massacre e um assassino, os dois com suas fortes crenças religiosas. O ponto da cristã puritana, mesmo questionável, faz com que o Night Stalker sinta-se finalmente compreendido por alguém. Ele, de fato, tem a sua infância conturbada como seu principal motivo para justificar o que se tornou.

O encontro entre os dois termina gerando um acordo: Richard deve pôr um fim a Sr. Jingles, e não ferir nenhuma pessoa no acampamento além do assassino encapuzado – o que significa uma trégua para a nossa protagonista, Brooke (Emma Roberts).

Sua história é aprofundada também. A nossa candidata a final girl conta para Montana (Billie Lourd) que ser perseguida por assassinos não é a pior coisa que já aconteceu em sua vida. Ela também sobreviveu a um massacre, este, realizado pelo seu noivo no dia de seu casamento. Guiado por um ciúme paranoico, ele matou padrinho e sogro, e por fim cometeu suicídio, deixando Brooke coberta de sangue no altar. Entretanto, ao final descobrimos que Montana talvez tenha oferecido um ombro amigo à Brooke com segundas intenções. As duas atrizes se saem bem na cena, Billie se divertindo ao falar da história do acampamento para jovens acima do peso, e Emma em sua cena de flashback.

A misteriosa voz que ameaçou Xavier (Cody Fern) no primeiro episódio é revelada ser de Blake (Todd Stashwick), um rico empresário da indústria pornográfica que acolheu Xavier, ajudando-o a se livrar do vício de heroína, em troca de que ele se tornasse uma estrela pornô gay de um de seus filmes. A pauta a respeito de trauma é tratada novamente, onde percebemos o quão mal o aspirante a ator se sente a respeito do assunto. Porém, a trama não dura muito, Blake queria sua estrela de volta, mas logo foi morto brutalmente por alguém enquanto espiava os tutores tomando banho durante a noite.

‘1984’ não perde tempo em trazer elementos sobrenaturais para a temporada. Chegamos ao segundo episódio e já descobrimos que, provavelmente, iremos lidar com espíritos de antigos tutores do acampamento. A cena onde o fantasma de Jonas Shevoore (Lou Taylor Pucci) continua a morrer é bem perturbadora (e bem feita). Assim, a temporada ganha mais campo para continuar tratando com maestria os clichês dos filmes slasher, onde, numa trama que começa a se mostrar complicada com a adição do elemento sobrenatural, isto termina nos trazendo momentos de familiaridade com o gênero.

Mesmo que boa parte dos personagens continue sendo páginas em branco estereotipadas, quando os mesmos se agrupam e percebem que estão correndo perigo, a história parece tomar mais corpo. E, sendo honesto, parte da diversão ao entrar em contato com este gênero do horror é assistir personagens morrendo das mais variadas e estúpidas maneiras. Este mesmo impulso que atrai pessoas a assistirem esses filmes, é o que tem sido o coração da temporada, até o momento.

É óbvio que a temporada procura incluir todos os clichês que trazem a diversão e entretenimento básico para o horror, mas ao mesmo tempo, dentro de dois ou mais episódios, nós sentiremos a necessidade de mais personagens e diálogos complexos que se integrem aos estereótipos em branco. Mas conhecendo bem esta série, já sabemos que toda temporada possui alguma reviravolta que pode mudar drasticamente o percurso da história. Por que com ‘1984’ seria diferente? 

POST SCRIPTUM 1: Qual a razão de chamar o episódio de Mr. Jingles, onde o personagem-título mal teve tempo de tela? Choices.

POST SCRIPTUM 2: Jonas Shevoore é um anagrama do nome Jason Voorhees, vilão da série de filmes Sexta-Feira 13.

POST SCRIPTUM 3: O fantasma de Jonas nos trouxe um pouco mais de informações a respeito de Margaret na noite do massacre em 1970. Isto somado ao seu caráter duvidoso que percebemos neste episódio, nos faz questionar se sua versão da história é completamente verídica.

Por Gabriel Fernandes em 02 de October de 2019

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.