O apressado conflito de espécies em “Future Perfect”, season finale de ‘AHS: Double Feature’

Talvez tenha sido mais fácil para temporadas passadas de American Horror Story se reservarem a um subgênero do horror e nos oferecer uma visão aprofundada do mesmo, mas se tornou mais frequente que a série engaje em temas mais abrangentes nos últimos anos, e Double Feature marca isto perfeitamente. O roteiro das duas histórias nos trouxe temas a respeito do sofrimento e satisfação que podem vir da criação de algo, esteja falando de um roteiro de filme ou da geração de uma nova raça. Na segunda parte, com uma proporção obviamente maior, existem acordos e compromissos que são essenciais para a sobrevivência da humanidade, e com isso, Death Valley nos traz questões sobre confiança e moral. Todos estes tópicos são vias para chegar em temas interessantes que poderiam se conectar bem com os flashbacks sci-fi bem estilizados, e também serem relevantes para os problemas contemporâneos que segmentam nossa sociedade. Os episódios iniciais desta segunda metade talvez tenham brevemente engajado nestes comentários, porém, a season finale, “Future Perfect“, parte em outra direção, rumando a teorias da conspiração que não possuíam mais espaço para serem inclusas na trama, e apenas frustraram quem acompanhou o resultado disto.

Death Valley encontra sua maior força na capacidade de emular subgêneros clássicos do horror sci-fi, e um detalhe a ser elogiado é o quanto cada episódio, em seus momentos de flashback, realmente pareciam-se com filmes B sci-fi dos anos 50. Todos os aspectos, como o uso da cinematografia preto e branco com um ótimo balanço de contraste, os diálogos extravagantes, a trilha sonora com o uso contínuo de teremim, e claro, algumas performances do elenco também contribuíram para essa energia gerada. Porém, mesmo com aspectos técnicos executados com maestria, não há como negar que a narrativa da história ficou rasa.

Não estaríamos falando de American Horror Story sem uma reviravolta de último minuto que faça sentido ou não, e Death Valley manteve a tradição com uma finale carregada de momentos absurdos e chocantes, porém, insuficientes para finalizar o enredo. Acompanhando a série por 10 anos, algumas finales funcionaram para mim em diferentes graus de satisfação, e Death Valley possui uma onde as falhas das ideias apresentadas pela equipe criativa de Ryan Murphy ficam mais claras. Finais ambíguos ou abertos (cliffhangers) são bons para séries que manterão suas tramas nas temporadas adiantes, mas a não ser que tenhamos um futuro onde veremos vampiros e alienígenas em conflito, tivemos aqui um final insatisfatório, para dizer o mínimo.

Mamie Eisenhower (Sarah Paulson) foi uma Primeira Dama que gerou um grande impacto cultural no Estados Unidos, e Death Valley deixou isso bem claro. Mesmo tendo sido ofuscada por Jackie Kennedy, Mamie foi em várias maneiras mais influente, se as histórias da mesma a respeito de aniversários, Halloween, e festa de ação de graças são tão confiáveis assim. Mas já que estamos num universo de Ryan Murphy, ela fez mais do que o público sequer imagina. Para entrar em termos específicos, ela é informante chamada Garganta Profunda, peça chave para o Caso Watergate, que levou a presidência de Nixon ao fim. E para Mamie participar disto, tudo o que precisou foi ter seu ingresso garantido para viver eternamente num galpão da Área 51, e o roteiro faz o possível para não fazer de Mamie uma pessoa má por se virar contra a humanidade. Claro, ela é arrogante e superficial, mas não chega a possuir um caráter inescrupuloso como o de Nixon. Ela está assustada e tem medo de ser esquecida, ofuscada e morrer lentamente num hospital igual ao seu marido. Não faz tanto sentido assim, mas ao menos tivemos Sarah Paulson guiando a personagem com sua atuação precisa.

Na trama, os últimos 60 anos da história dos Estados Unidos se resumem num conjunto de distrações elaboradas para que a população se distraísse dos avanços do projeto para gerar um híbrido perfeito humano-alienígena. Este plano nos é apresentado na reta final, e por mais interessante e conveniente que seja, a natureza espalhafatosa que esses flashbacks começam a adquirir acabam por sufocar mais ainda a história. É como se quase todas as cenas do passado funcionassem como críticas sarcásticas para os americanos da época, onde você poderia esperar um dos personagens quebrar a quarta barreira e perguntar para a audiência “Você entendeu?”.

Em “Future Perfect“, os momentos finais constroem um clímax que faz a audiência acreditar que uma aliança sincera entre humanos e alienígenas talvez seja a única chance de salvação. E ironicamente, o fim da humanidade parte da incapacidade das duas espécies de conviverem juntas. Os extraterrestres providenciaram para os humanos alternativas tecnológicas, mas a própria natureza humana considera estes “presentes” inválidos, e assim, a humanidade termina por ser o motivo de seu próprio fim, e os visitantes de outro mundo não são os verdadeiros inimigos. Death Valley teria obviamente se beneficiado com a adição de mais um episódio para que essa realização e todo o avanço temporal de 60 anos de experimentos pudesse ter espaço para se desenvolver de forma apropriada… Red Tide, com um pouco mais de tempo, apesar do final inconsistente, foi mais coesa. O ideal, para Double Feature, teria sido dividir cinco episódios para cada história ao invés de fazer Death Valley se espremer dentro de apressados quatro episódios.

É desapontante o que recebemos de Death Valley, agora que foi finalizada? Sim… Mas ao menos foram apenas quatro episódios; foi uma minissérie dentro uma antologia, e talvez isto venha de minha parte tentando compreender a equipe criativa, mas em meio ao número de dificuldades que eles podem ter enfrentado durante pandemia sem fim, não é uma surpresa que tivemos uma segunda parte um tanto desorganizada e frenética após uma primeira metade bem sólida como Red Tide. É um final que insatisfaz, mas seria tão insatisfatório quanto vampiros em fúria nas ruas de Los Angeles ou o espírito da Condessa buscando por homens com um maxilar perfeito? É certamente bem mais abrupto do que outros finais, e mesmo que o roteiro faça o possível para fazer o correto no fim da trama, nem sempre é o suficiente para amarrar tantos nós. Não sabemos se American Horror Story irá aprender algo dessa estrutura de narrativa dividida para o futuro, mas ao menos é uma prova de que a antologia ainda pode nos providenciar algo novo.

Por Gabriel Fernandes em 22 de October de 2021

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.