O final do massacre em “Red Dawn”, 5º episódio de “1984”

A equipe criativa de American Horror Story não possui problemas em trabalhar com o formato de uma série limitada. Em Roanoke, eles foram de uma reconstituição de eventos reais para um reality show com a equipe e elenco da reconstituição numa casa assombrada. Foi um passo audacioso que trouxe bons resultados, pois fez algo um tanto diferente no universo da série, que o público de fato não esperava. 1984 repete o mesmo movimento ousado com “Red Dawn“.

Dualidade tem sido um tema fundamental nesta temporada de American Horror Story. O quarto episódio revelou que Benjamin Richter (John Carroll Lynch) não era o assassino desumano que pensávamos ser até momentos antes de Margaret (Leslie Grossman) tentar matá-lo. Vimos bastante disso até agora, mas “Red Dawn” nos apresenta o caso mais extremo com o pai de Donna. Um homem capaz de ser um pai amável e cuidar bem de sua família, enquanto manteve uma longa carreira de assassinatos durante toda a sua vida. Vários personagens de 1984 apresentam estas dualidades, mas quando alguns deles são forçados a confrontar isso terminam por entrar em colapso. Quando o pai de Donna recebe a oportunidade de receber ajuda psiquiátrica para melhorar seus hábitos, ele prefere morrer a admitir que é um assassino. Ao mesmo tempo, é este evento que impulsiona a fascinação da doutora com assassinos em série, ao ponto de quase tornar-se uma.

Tantos personagens passam dificuldades com suas personalidades distintas, mas Brooke (Emma Roberts) é curiosamente alguém que acredita que nem sequer possui uma identidade para se apoiar. Ela não sabe quem é e enquanto esses acontecimentos traumáticos no Acampamento Redwood tenham contribuído para que algumas pessoas a descobrir quem são, Brooke continua perdida em sua jornada. Dentre todos os que poderiam lhe oferecer ajuda em sua crise, é o fantasma de Ray (DeRon Horton) que lhe oferece um ombro amigo. É interessante perceber que Ray parece ser bem mais empático do que quando estava vivo. De forma natural, a intensidade entre os dois continua a crescer até Brooke terminar perdendo sua virgindade para a aparição sobrenatural. É um momento aparentemente doce e puro, mas estamos falando de American Horror Story, e o feliz momento pós-sexo dos dois termina de forma aterrorizante.

Ao descobrir que havia se relacionado sexualmente com um espírito, Brooke se encontra completamente perturbada e vulnerável, o que abre a perfeita oportunidade para Montana (Billie Lourd) mostrar quem realmente é e finalmente torna-se livre para vingar a morte de seu irmão. A professora de aeróbica cria uma áurea psicótica ao seu redor e torna-se realmente assustadora, e podemos afirmar que é performance mais visceral e louca que Billie já proporcionou à audiência dos projetos que já fez em parceria com Ryan Murphy. Muitos momentos de agressividade desenfreada acontecem nos momentos finais desta noite no acampamento, todos os segredos já foram revelados e a audiência já conhece o verdadeiro caráter de cada personagem. Com todas estas bagagens expostas, a sensação é de que chegamos ao final da temporada, e não na metade.

O lado assassino de Margaret também atinge o seu ápice em “Red Dawn”. A cena onde ela e Chet (Gus Kenworthy) atravessam o lago de canoa começa com um tom arrepiante, até tornar-se bem perturbador. Chet resiste até onde consegue, mas Margaret possui vantagem física e, aparentemente, o mata – é uma regra de filmes slasher, sem corpo, sem morte. Leslie Grossman também nos traz uma performance de qualidade ao dar seus sermões enquanto mata. E não são mortes rápidas, a personagem realmente age como se fosse pessoal e realmente se deixa levar pela energia psicótica do momento. Donna teria aqui um prato cheio para estudar – e quem sabe tenha, no futuro.

Xavier (Cody Fern) estava entre as vítimas de Margaret neste episódio. Mas antes de morrer, nos entregou uma execução bem divertida de Mr. Jingles à la Robin Hood, e claro, a dancinha de comemoração depois. Apesar de após ter sido morto nas mãos de Margaret, Xavier é um personagem interessante de acompanhar, e estamos curiosos se a morte irá afetar o seu caráter assim como afetou o de Ray.  

Morrer também afetou drasticamente o caráter de Richard Ramirez (Zach Villa). Agora que está de volta, ele explica que é essencialmente o mal encarnado. Satanás lhe concedeu o conhecimento dos segredos mais obscuros de todos. O personagem, que já era uma caricatura de sua versão da vida real, termina crescendo ainda mais neste lado pitoresco com a decisão do roteiro de o transformar nesta pessoa que instiga os outros a abraçar seu lado mais obscuro. Vale ressaltar que a ressurreição concedida através de Satanás para Richard e Benjamin, é diferente do destino para os outros que morreram no Acampamento Redwood – estes viraram fantasmas e ficarão presos ali para sempre.

A diretora Gwyneth Horder-Payton consegue manter o tom sombrio presente deste o início de 1984 e mantém um ar de season finale para o episódio. Há mais sangue, gritos e brigas neste episódio do que em toda a temporada, e mesmo que tudo isso não seja algo a se surpreender, são todos executados com bom gosto. A cena final do amanhecer no acampamento com o ônibus cheio de crianças sendo traumatizadas para sempre com a visão de Brooke esfaqueando Montana até a morte já pode entrar para a lista de cenas icônicas de American Horror Story. Assim, o final do episódio nos deixa curioso para o destino de Brooke: ela é culpada pelo massacre e sua credibilidade como final girl é manchada, com Margaret a incriminando da mesma forma que fez com Benjamin Richter.  

Com Red Dawn, podemos presumir que 1984 ficará dividida em três gerações de massacres: o massacre inicial de Margaret, o que se concluiu ao final deste episódio, e o que provavelmente acontecerá com o próximo grupo de crianças e tutores que forem ao Acampamento Redwood. Esta estrutura dividida em arcos grandes que se finalizam na metade da temporada foi utilizada com maestria anteriormente em Roanoke. Isso permite criar mais camadas para uma história cujos personagens principais já foram desenvolvidos e apresentados de forma bem sucedida e, também, ajuda a solucionar um problema que se percebe em algumas temporadas da série, onde a metade final da trama não parece tão interessante quanto a metade inicial. O que quer que a equipe criativa faça com o tempo restante de temporada, só podemos esperar que continue a ser igualmente sombrio e que o Acampamento Redwood aumente sua contagem de corpos.  

Por Gabriel Fernandes em 23 de October de 2019

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.