O preço do sucesso em “Blood Buffett”, quarto episódio de ‘AHS: Double Feature’

A primeira parte de Double Feature, intitulada de Red Tide, nos trás perguntas simples… O que você faria se pudesse ter acesso a um potencial ilimitado do seu talento? Seja cantar, dançar, escrever, ou artes plásticas; o que você seria capaz de fazer para viver o seu sonho ao máximo? Para algumas pessoas, a resposta seria fazer de tudo, incluindo tomar uma pílula de origem duvidosa e casualmente se alimentar de sangue humano. São pessoas dispostas a arriscar estarem sujeitas quaisquer efeitos adversos em busca da perfeição justamente por terem o conhecimento que possuem a faísca de um gênio e apenas precisam saber como alcançar o ponto de ignição. Mesmo que não possuam talento algum, saber que possuem algo de especial está cravado em suas almas.

American Horror Story nos leva na sombria descoberta de que boa parte das pessoas que acreditam terem talento para escrever ou criar as vezes não são tão boas quanto acham. Vimos o que acontece a eles em Provincetown: eles vestem longos casacos de segunda mão, se retiram para os cemitérios e ficam parecidos com a comparação de Lark (Billie Lourd), versões anoréxicas do Tio Fester. Entretanto, o que é interessante é a motivação por trás destas criaturas sanguinárias e cheias de raiva. Estas pobres pessoas que assombram a cidade não estão dominadas pelo ódio por causa da fome ou porque a Química (Angelica Ross) mexeu com o cérebro deles de uma forma que não há retorno. Eles estão neste estado catatônico de raiva pois pensavam que eram especiais e descobriram que não são. Pensar que você possui um talento especial e então descobrir da pior forma que você é igual a 90% da população mundial é o maior castigo da pílula Musa.

O roteiro do episódio revela à audiência a história da pílula e os seus efeitos das primeiras pessoas que a tomaram. Quando a trama iniciou, vimos os efeitos em Harry (Finn Wittrock), mas agora tivemos a oportunidade ver a Química explicar em detalhes como a droga foi desenvolvida e como o seu “poder mágico” funciona. Tivemos diálogos com bastante exposição e uma cena com recortes da criação da pílula que foram necessárias, pois Angelica Ross possui uma presença de cena incrível, e mesmo quando ela está apenas presente no momento usando roupas maravilhosas e agindo como uma cientista, sua forma de se portar enquanto interage com suas cobaias nos geram momentos em que ficamos vidrados vendo a personagem manipulando todos ao seu redor.

Macaulay Culkin como Mickey ainda é um dos atores mais interessantes nesta temporada. Ele consegue ser ótimo permanecendo na zona cinza entre ser uma pessoa inconsequente e empática, como se a alegoria de “profissional do sexo com bom coração” fosse exatamente o caráter dele, e o ver alcançar seus sonhos como dramaturgo aos poucos chega a ser emocionante, particularmente com Belle Noir (Frances Conroy) e TB Karen (Sarah Paulson). Belle, em particular, possuía uma relação com Mickey que chega a ser encantadora de ver como foi criada, sendo dois personagens que possuem uma certa timidez apesar de precisarem do apelo sexual em seus respectivos trabalhos. Assim, não é uma surpresa que os dois estabeleçam uma conexão de maneira natural, aproveitando da química que existe entre os dois atores. E Frances sempre supera nossas expectativas para cada vez que aparece em cena, especialmente quando Belle provou anfetamina pela primeira vez e simplesmente dançou como se não houvesse amanhã, imagino o quão exaustivo deve ter sido.

É raro vermos sutileza num roteiro em American Horror Story. E aqui não é diferente, o fato de que as diferenças entre os resultados bem sucedidos e mal sucedidos da pílula Musa estão especificamente na aparência e sucesso, nos traz um debate sobre a habilidade que o sucesso tem de fazer o ego de uma pessoa inflar ao ponto de trazer o pior de si à tona. Belle Noir era uma senhora infeliz e que estava gastando o dinheiro de sua aposentadoria numa tour de livros infrutífera, mas ao menos era uma pessoa com bons morais. O personagem de Spencer Novich, a primeira cobaia a falhar, era um budista vegano que quer usar sua habilidade de cantar para fazer do mundo um lugar melhor (tão galera, né, gente?) e não conseguiu conter toda a sua raiva traduzida em assassinatos a sangue frio após perceber que jamais alcançaria seus sonhos. Tenha talento ou não, a Musa irá trazer à tona toda a sua raiva e desprezo pelo próximo.

Não importa o foco do episódio, Amerrican Horror Story nunca vai esquecer um dos motivos pelos quais a audiência se diverte com a série: mortes brutais, porém satisfatórias de se assistir. Existe algo mágico em ver ótimos atores fazerem coisas terríveis de propósito, falando especificamente de Evan Peters e Frances Conroy, que são brilhantes neste tipo de papel. Em Blood Buffett a história avança, mesmo através de flashbacks e os patamares que temos para a reta a final ganham contextos mais explicados, e mesmo sendo um episódio com bastante exposição para desvendar as densas camadas dos personagens secundários que se escondem na névoa de Provincetown e como a Musa se relaciona com todos estes, é, também, um episódio bastante engajante com suas ótimas performances.

Por Gabriel Fernandes em 15 de September de 2021

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.