Os jogos narrativos em “Game Over”, 7º episódio de ‘AHStories’

“Já passei muito tempo na Murder House“, disse o personagem de Nicholas Becthel próximo ao final do último episódio em American Horror Stories, e acredito ser um sentimento que todos nos identificamos nesta altura. Na primeira review, comentei que finalizar a temporada com um episódio numa locação comum de American Horror Story seria melhor do que utilizar esse recurso logo no início. Após episódios interessantes e originais como “Drive In” e “Feral“, “Game Over” apela para a nostalgia e crítica da relação que a audiência possui com a antologia de horror.

Se a intenção da série, um spin-off de American Horror Story, era ter episódios contidos ao invés de arcos que tem continuidade, qual a razão de 3 de 7 episódios serem contidos numa locação que já conhecemos da série principal? Ter quase metade da temporada assim ao invés de explorar contos de 40 a 50 minutos de duração já contradiz a proposta inicial da série. “Game Over” basicamente força uma audiência cansada a retornar aos interiores da Murder House. E assim o episódio se inicia friamente num sequência de piadas satíricas sobre seu próprio público. Se eu puder mencionar uma que tenha sido engraçada, talvez a menção ao fato de Sarah Paulson não gostar da temporada Roanoke, mas em geral, não foram engraçadas e provavelmente Ryan Murphy e Brad Falchuck acham que são, mesmo que tudo o que tenham feito foi zombar dos fãs.

Para todos que já reclamaram de lógica de qualquer filme ficção, embarquem na jornada que “Game Over” nos leva: existe a realidade de American Horror Story, a realidade do jogo de videogame AHS, e uma realidade alternativa onde pessoas assistem American Horror Story. O jeito que que estas realidades se encobrem no decorrer do episódio não faz sentido algum até os momentos finais e apenas frustra quem está assistindo. Por mais que pareça uma cisma bater nesta tecla, é um ponto que realmente enfatiza o mínimo de interesse que a equipe criativa deste spin-off possui para os personagens.

Os dois primeiros episódios requerem que a audiência simpatize e invista na relação entre Ruby (Kaia Gerber) e Scarlett (Sierra McCormick), mas em “Game Over“, parece uma relação vazia e rasa. A história pede que nos importemos com estas duas personagens cuja história já havia chegado a um final aberto mesmo sem ter construído a relação das duas. Nos traz de volta Dylan McDermott para um retorno completamente sem propósito onde o personagem Ben Harmon faz referências a se masturbar e chorar enquanto tenta trazer desfecho para ele e outros fantasmas da casa. Pior que isso, não há nada de interessante a respeito da relação que tentam manter entre Michelle (Mercedes Mason) e Rory, e toda a ideia de que existe um propósito para a existência da Murder House, mas não recebemos nada que traga alguma resposta a isso.

Game Over” até promete um final definitivo à infame casa, trazendo a sua ruína através de um incêndio e dando a dois personagens que mal conhecemos um final feliz nos condomínios construídos no local. Os demais espíritos foram libertos e… Tudo foi apenas uma falsa sequência, pois é um enredo da realidade do vídeo game. A impressão que fica é que Ryan e Brad não conseguiram se comprometer a realmente concluir a história de Murder House através desse episódio, pois tudo fica somente no faz de contas e nada importa. Ao invés isso, o episódio é finalizado assegurando a audiência que a história da casa jamais vai terminar, e os espíritos da Murder House podem estar vagando por aí.

Em boa parte de sua duração, a primeira temporada de American Horror Stories repete o erro de não saber aproveitar o potencial presente em cada trama dos episódios contidos, e, em outros momentos, a antologia consegue superar expectativas e entregar histórias interessantes e perturbadoras que engajam bastante com a audiência. Mesmo que pareça ser divertido para a fanbase de American Horror Story revisitar locações e personagens já conhecidos, o spin-off brilha quando toma escolhas experimentais com contos originais. O que nos resta esperar é que o segundo ano consiga superar os problemas enfrentados aqui e entregue mais acertos que erros.

Por Gabriel Fernandes em 25 de August de 2021

"Tu fui, ego eris". Arquiteto e urbanista, ilustrador independente, colecionador de mangás e grande apreciador do gênero terror em filmes, séries e jogos.