Review de ‘Election Night’, 1° episódio de ‘Cult’

A noite de 9 de novembro polarizou reações nos Estados Unidos. O empresário Donald Trump conquistou 306 delegados durante processo eleitoral para o cargo de presidente, 36 a mais que os 270 necessários para a vitória sobre Hillary Clinton. Uma parte da população contrariada com o governo, via no republicano um “forasteiro” do cenário político capaz de tornar o país grande novamente. Trump prometia dureza contra imigrantes ilegais, tinha um discurso contrário a empresas que transferiam vagas de empregos do território norte-americano para outros países, capaz de limpar a casa e contornar uma crise econômica que afetava parte da classe trabalhadora do país. Ele parecia também uma esperança contra o fortalecimento de minorias que intimidam o típico ultraconservador: imigrantes, negros, LGBTs, mulheres (sobretudo, as feministas).

O magnata também era conhecido pelo comportamento misógino (incluindo ser alvo de acusações de assédio sexual), por declarações ofensivas a muçulmanos, mexicanos ou negros, por menosprezar políticas de sustentabilidade para preservar o meio ambiente, e por reiterar apoio ao “casamento tradicional” dois dias depois de a Suprema Corte do país decidir que pessoas do mesmo sexo têm direito de se casar em todo os Estados Unidos. Por isso, para outra parcela das pessoas que viviam no país, a vitória de Trump representava um perigo. Mulheres marcharam contra o novo presidente, imigrantes latinos e do oriente médio temiam a deportação, negros estavam apreensivos com a possibilidade de um fortalecimento de grupos de supremacia branca, homossexuais e transgêneros se sentiam ameaçados.

Esse é o cenário pintado pelo primeiro episódio de “Cult”, criando um painel que explora os medos políticos e pessoais da população norte-americana em um capítulo importante da história contemporânea. Não é de se estranhar que a trama da sétima temporada de American Horror Story comece com as reações da protagonista e do antagonista ao resultado das eleições. Ally (Sarah Paulson) chora na frente do televisor, Kai (Evan Peters) grita de alegria, sarra a tela da TV e se maquia com pintura laranja improvisada com cheetos. Os dois são histéricos. Se o espectador esperava sutileza na abordagem do tema político, procurou no lugar errado – Ryan Murphy, o co-produtor do seriado parece desconhecer o conceito.

SÁTIRA
O retrato apresentado por Cult tem tonalidades fortes de sátira. As atitudes de ambos os personagens parecem inverossímeis a um primeiro olhar. Os dois aparentam ser caricaturas da esquerda e direita política norte-americana, o que faz sentido quando lembramos que o exagero é uma característica presente em obras satíricas. A ideia é provocar a sociedade e sua relação com poder, ressaltando o absurdo mesclado ao real.

Cenas adiante somos apresentados a sinais de que Ally e Kai são mesmo pessoas extremas, portadores de desequilíbrios. Ela sofre de uma série de transtornos e fobias. Ele é odioso e acredita que inflar o medo das pessoas é uma forma de exercer o controle e poder.

Kai inflama hispânicos contra si mesmo para sofrer um espancamento, com a intenção de filmar a violência – uma estratégia de gerar ódio não tão diferente das táticas de Charles Manson no final dos anos 1960 para culpabilizar negros por atos brutais e assim gerar uma reação contra eles. Ally perde a noção do que é real ou delírio repetidas vezes. As interpretações de Sarah e Evan são convincentes e se apoiam naquilo que ambos fazem de melhor: viver personagens atormentadas, no caso dela, encarnar maníacos, no caso dele.

REALIDADE
Apesar do tom às vezes grotesco e satírico, em termos estéticos, “Cult” se alinha mais a “Roanoke” e à primeira temporada, por não ter a pretensão de criar um espetáculo monumental. Os cenários, os figurinos e até as filmagens são comedidos. Os lugares mostrados são ruas, casas, comércios de estilos com os quais o telespectador está familiarizado. Os personagens se vestem com roupas comuns, em grande parte. Não há o glamour de “Hotel” ou “Coven” e isso cria um senso de aproximação e palpabilidade, de transportar o terror para a realidade – ou melhor, reconhecê-lo nela.

O realismo se casa bem com o terror psicológico, com potencial para se desenvolver na temporada. Em vez de mostrar elementos sobrenaturais, a trama demonstra indícios de se apoiar não em monstros, e sim nas possíveis reações extremas de humanos de carne e osso, na confusão entre o real e a paranoia.

Ally se mostra obsessiva com os temores pós-Trump. A eleição do republicano desperta fobias até então controladas: o medo de palhaços, o medo de buracos e o medo de sangue. A partir daí, ela (e o próprio telespectador) passa a se deparar com visões de palhaços, sem uma separação clara do que é imaginário e do que é uma perseguição concreta.

Nesse sentido, “Cult” se aproxima de filmes como a trilogia do diretor Roman Polanski, formada por “O Bebê de Rosemary”, “O Inquilino” e “Repulsa ao Sexo”, em que o protagonista se vê tão ameaçado por situações que podem ser reais ou não, em lugares em que deveria se sentir seguro, a ponto de mergulhar em uma espiral destrutiva de medo (principalmente no caso dos dois últimos filmes). A trama de Ally também traz a impressão de dúvidas ao telespectador sobre o que é realidade e o que é delírio de longa metragens como “Alucinações do Passado”.

Podemos torcer para que os medos de Ally sejam bem explorados. O terror psicológico é uma garantia de cenas perturbadoras e angustiantes quando bem construído. Porém, se os roteiristas errarem na mão e tornarem muito repetitivas as situações em que Ally parece paranoica diante de palhaços que podem estar em sua frente ou não, a temporada corre o risco de se tornar cansativa – embora esses palhaços com suas máscaras bizarras e comportamento meio obsceno meio imprevisível tenham sido eficientes em causar mal-estar no primeiro episódio.

PERSONAGENS
Em um ponto, “Cult” tem a vantagem de conter um núcleo pequeno de protagonistas. Excesso de personagens já se mostrou um problema em American Horror Story, com subtramas mal aproveitadas. As chances de o roteiro sair dos eixos é menor.

Contudo, até o momento, “Cult” dá sinais de poder sofrer de outro ponto negativo que às vezes se desenvolve no seriado: a ausência de personagens por quem o espectador pode sentir simpatia. Kai é detestável demais para despertar empatia, embora isso o ajude a funcionar como um vilão repugnante. Ally não demonstra ter uma personalidade que vá além de sofrer de transtornos e medos irracionais. Sua esposa, Ivy (Alison Pill) até o momento, foi neutra demais para desenvolver sentimentos no espectador. Apesar disso, ela traz uma promessa de que medos adultos cotidianos sejam novamente explorados no seriado – como o temor de um fracasso em um casamento, o que já aconteceu de forma excelente em “Murder House”.

No primeiro episódio, Winter (Billie Lourd, bastante competente em suas cenas) é a personagem mais intrigante. Como Ally, ela se preocupa com o que a vitória de Trump pode significar. Paralelamente, a personagem parece ajudar o irmão, Kai, em seus esquemas de atormentar a personagem de Sarah Paulson. Winter se candidata a babá de Oz (Cooper Dodson), filho de Ivy e Ally, aparentando ser simpática. Em outros momentos, ela manipula o garoto a se expôr à violência e a questionar o relacionamento das mães. Ela teme o irmão, ao mesmo tempo que tem uma relação de proximidade quase infantil com ele.

PROMESSAS
O episódio “Election Night” (“Noite da Eleição”) delineia o potencial da temporada. Contudo, ele é mais uma promessa de despertar medos e perturbações do que efetivamente uma fisgada. A impressão que dá na última cena é que ela causa curiosidade sobre a relação de Ally com os palhaços, que de repente podem não ser mais imaginários, porém, sem que o episódio fosse capaz de envolver o espectador intensamente.

Mesmo a tão esperada volta de Twisty (John Carroll Lynch), palhaço assassino de “Freak Show” parece mais gratuita do que um elemento bem encaixado com a temporada, pelo menos até o momento. Parece que faltou algo para uma estreia extraordinária, porém há sinais de que, se bem construída e com um desenvolvimento melhor dos personagens, a história de “Cult” pode ser sólida, pode mostrar o perigo dos medos exagerados norte-americanos. A própria temática do subtítulo (seitas e cultos) é promissora.

Por um lado, o primeiro episódio pode ser apenas um indicador de que a temporada se permitirá um desenvolvimento a passos lentos pelo bem da coerência. Por outro, por ser a primeira impressão no telespectador, ele poderia ser mais marcante.

Como sempre, o elenco da temporada e a cinematografia são alguns dos pontos positivos que se destacam no episódio. A crítica social é outra. Para quem temia que a abordagem que o seriado se propôs a fazer da política fosse parcial demais, há um alívio. Existe a sátira, mas ela atinge ambos os lados da moeda.

Por Rafaela Tavares em 07 de September de 2017