REVIEW: O desfecho da história de Lee em ‘Chapter 10’, finale de ‘Roanoke’

Crime e morte fascinam o ser humano e é claro que a mídia se aproveita disso. É rentável. Devoramos biografias de assassinos em série, damos audiência para programas televisivos sobre homicídios, consumimos ficção baseada em massacres reais. Exemplo desse nosso interesse pela violência é a estimativa de que em 3 de outubro de 1995 100 milhões de pessoas acompanharam, por rádio ou TV, o veredito do julgamento do jogador de futebol americano O. J. Simpson, acusado de assassinar a ex-esposa e um homem. Outro sinal disso é como entrevistas com quem foi capaz de tirar vidas capturam nossos olhos e ouvidos. Queremos entender um pouco da mente de pessoas como Charles Manson, Jeffrey Dahmer, Suzane von Richthofen, e Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque, enquanto eles respondem a perguntas feitas por jornalistas.

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Do mesmo modo que o restante da “Roanoke”, “Chapter 10” (Capítulo 10) se baseou nessa espetacularização da violência. O que roteiristas e produtores desejam com essa inspiração? A intenção é tecer uma crítica social sobre nossa obsessão por sangue, celebrar a brutalidade com suas cenas gores, ou satirizar a facilidade com que a mídia que se comporta como abutre? Ou será que eles desejavam as três coisas, o que se tratando de “American Horror Story” é mais provável?

A continuidade da abordagem sobre o tema serve para desenvolver a história de Lee Harris (Adina Porter, incrível como sempre) após ser a única sobrevivente das gravações do reality show fracassado “Retorno a Roanoke” durante a Lua de Sangue. As filmagens mostraram ao público que a ex-policial foi uma vítima (caçada, obrigada a usar drogas, canibalizada) e foi uma agressora (confessou um crime antigo e matou novas pessoas). Esse duplo papel e a incerteza sobre a natureza de sua a violência tornaram Lee uma figura polarizadora da opinião pública.

JULGAMENTO

Como acontece com situações reais, a história de Lee foi explorada pela mídia. Quando ela foi a julgamento, o processo recebeu uma cobertura jornalística. Qualquer semelhança com O. J. Simpson não é mera coincidência. Ambos os réus eram celebridades quando foram julgados, o que gerou comoção nos Estados Unidos. Supostas vítimas dos dois eram seus ex-cônjuges. As provas contra eles eram contundentes. O caso O. J. Simpson ainda mexe com o imaginário de americanos que viveram na década de 1990 – da mesma forma que somos levados a acreditar que aconteceu com o caso Lee Harris – o que serviu de inspiração para o produtor Ryan Murphy, sem dúvida.

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A certeza vem do fato de que meses antes de trabalhar com Roanoke, ele produziu uma temporada inteira de “American Crime Story” sobre o caso O. J. Simpson. A última similaridade entre os dois julgamentos é o desfecho. Os acusados (o real e a fictícia) foram inocentados, apesar das fortes evidências. O time de advogados estelares de Simpson conseguiu tocar o júri com a teoria de que a polícia racista teria plantado provas falsas para incriminar o esportista. A defesa de Lee conseguiu tocar o júri com a teoria de que a ex-policial teria agido sob efeito de alucinógenos e da violência que sofreu.

Para Lee, a sentença teve um preço: a única coisa que ainda importava na sua vida. A forma de convencer a todos que ela não teria matado o ex-marido, Mason, foi criar dúvidas sobre o testemunho de sua filha Flora. Tudo contribuiu para afastar as duas.

MÍDIA

Fora as notícias, o caso Lee Harris continuou a render produtos midiáticos e cada bloco do episódio se baseia em um deles (com direito a aberturas e formatos diferenciados). Ela foi assunto de um documentário sobre crime no mesmo estilo dos programas televisivos veiculados pelo canal de tevê por assinatura Investigação Discovery. A casa de Roanoke foi cercada, mas terminou invadida para um episódio em outro seriado sobre acontecimentos sobrenaturais, do tipo produzido por supostos caçadores de fantasmas.

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Mas quando se é fã de “American Horror Story” a verdadeira atração foi uma entrevista dada por Lee. O caráter ambíguo de sua história chamou a atenção da jornalista Lana Winters (Sarah Paulson, que quebrou seu próprio recorde interpretando três personagens em uma só temporada). A repórter de “Asylum” inclusive saiu de sua aposentadoria para gravar um programa especial.

Por sua vez, Lee aceitou apenas falar com ela embora tenha sido convidada por outros entrevistadores. Não é de se surpreender que as duas tenham uma espécie de atração. Ambas são mulheres fortes, capazes de tudo para sobreviver, inclusive matar membros da família. As participações das duas personagens em suas respectivas temporadas formam paralelos. Elas começaram como coadjuvantes para no final roubarem os holofotes da trama. As semelhanças são evidenciadas pelo diálogo das duas. Elas se entendem e nós as entendemos.

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Lana Winters continua com uma má sorte para entrevistas. Quando ela foi alvo de uma, quase acabou assassinada pelo filho serial killer e teve que manipulá-lo para sobreviver. Dessa vez, o local de transmissão ao vivo foi invadido por um Polk. Lot (Frederick Koehler) surgiu como uma metralhadora querendo vingança por sua família incestuosa e canibal, cujo fim ele atribui a Lee. Lana tentou seu discurso manipulador, quase o afetou, mas foi agredida, deixando-o livre para atacar seu alvo. Porém antes de executar Lee, ele foi abatido.

Foi muito bom reencontrar Lana. Uma nota pessoal, ela é  minha personagem favorita do seriado por sua evolução e seu caráter de heroína com elementos de anti-heroína. Estou contente por ver que ela continua durona sem ser um docinho, para usar uma frase sua. Principalmente, foi ótimo vê-la continuar viva. Obrigada, Ryan, por não ter desperdiçado uma protagonista de temporadas anteriores ao contrário do que fez com Queenie em Hotel! O afeto do público por Lana e (no meu caso, pelo menos, apesar dos pesares) por Lee tornou o bloco do especial o mais tenso do episódio, pois as duas foram ameaçadas.

E sentir tensão em finales de “American Horror Story” é algo raro, vamos sinceros. As temporadas quase sempre atingem seu clímax no penúltimo episódio. A exceção foi “Asylum” que teve bons desfechos e continuou a quase matar o espectador do coração na mesma intensidade até os últimos segundos.

Em “Murder House” e “Hotel” (e, de certo modo, em “Roanoke”), o último capítulo funciona mais como epílogo. A conclusão de “Freak Show” foi apressada e menos emocionante que de alguns episódios anteriores. A de “Coven” foi uma bagunça frustrante – não sei se eu tinha expectativas muito alta para os testes das Sete Maravilhas, só que ver coisas como uma introdução musical nonsense e assistir bruxas brincarem de pega-pega mágico logo depois de uma colega ficar presa no inferno não era o que eu esperava, confesso.

Ainda que funcione como epílogo, a finale de “Roanoke”, pelo menos, envolveu, continuou com o comentário sobre a espetacularização violência e mostrou o desfecho da história da personagem mais complexa e forte da temporada, Lee. Aliás, já acendi algumas velas para que a Adina Porter volte com sua atuação impressionante no sétimo ano.

JUSTIÇA

O fim de Lee é justo com a personagem. O ponto fraco dela sempre foi a filha. Quando Flora desaparece, a ex-policial não hesita em voltar para Roanoke para procurá-la, mesmo que esteja na Lua de Sangue. É a primeira vez na temporada que uma ida para o casarão é compreensível. Lee não tem outros motivos para viver.

Antes de encontrar a filha, é lógico que ela esbarra em mais um grupo de idiotas que resolveu explorar o local na data e hora errada em troca de fama. Um deles é o ator Ashley Gilbert (Leslie Jordan), intérprete de Cricket, ressentido por não ter participado do reality show. É divertido rever Leslie, ainda que isso signifique assistir outra vez a morte de seu personagem, mas por que voltar para lá, Meu Deus? Todos os intrusos do programa de caça-fantasmas morrem, enquanto Flora permanece como a única preocupação de Lee.

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O amor pela filha é forte o suficiente para ela resolver se sacrificar pela criança. Lee aceita morrer no terreno do casarão, explodir a construção e adotar a garota fantasma Priscilla, contanto que Flora escape com vida. A casa que representou o Mal da temporada é destruída, o que duvido que no futuro impeça invasores imbecis de voltar para aquele solo e morrer, porém ao menos a explosão tem um simbolismo forte. Lee salva a filha e passa a eternidade na forma de espírito, algo que é o provável destino das pessoas que sacrificou na Lua de Sangue de 2016.

Ela ainda deverá proteger uma criança que foi morta no passado do mesmo jeito que suas vítimas. Além de tudo, a ex-policial desempenhara um papel como mãe para sempre, o que é válido já que seu instituto maternal é o melhor traço de sua personalidade. Lee encontra uma punição que beira a purificação. A história da última entre os personagens principais de “Roanoke” termina, sem que o terror seja eliminado. Os colonos fantasmas continuam ativos e prontos para massacrar.

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Talvez os protagonistas de “Roanoke” não sejam tão marcantes quanto os de outro ano (Lee e Agnes são duas exceções, já inseridas no rol de melhores personagens do seriado). A maioria deles pode até ter sido estúpida de uma maneira forçada que só era conveniente para o roteiro avançar. Nenhuma temporada é perfeita.

Apesar disso, “Roanoke” apresentou uma trama sólida, bem construída, com uma mitologia envolvente, honrou os elementos do horror, inovou ao experimentar formatos diferentes, e foi mais objetiva que “American Horror Story” conseguiu ser em outras ocasiões. Ter menos episódios é muito positivo se isso significou um roteiro mais enxuto e direto.

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Em 2016, não tivemos a típica abertura. Alguns fãs reclamaram e vão continuar reclamando essa ausência. Eu não, porque em compensação o conteúdo da temporada em si era tudo que, como espectadora de “American Horror Story”, eu precisava assistir há anos. Foi justo conosco também.

Por Rafaela Tavares em 18 de November de 2016