Review: O ponto mais baixo em ‘Sojourn’, 8° episódio de ‘Apocalypse’

Após ser batizado, Cristo se isolou no deserto e foi tentado por um demônio que lhe ofereceu comida, riquezas e questionou sua fé propondo que ele se jogasse da parte mais alta do templo de Jerusalém para ver se os anjos de Deus o salvariam. Em “Sojourn” (“Estadia”), Michael (Cody Fern), sendo o Anticristo – o oposto a Jesus – vive o inverso desse processo bíblico.

O oitavo episódio de “Apocalypse” se inicia com ele descobrindo que todos seus aliados foram eliminados. Pior, sua mãe adotiva e seguidora mais abnegada, Mead (Kathy Bates) não só foi queimada como teve sua alma escondida por Cordelia (Sarah Paulson) em algum lugar no qual Michael nunca a encontrará.

Pelo menos provisoriamente, ele se sente impotente e perdido. Cordelia oferecia sua primeira forma de tentação com uma oferta de trégua. É até engraçado que ela acredite que oferecer a mão para alguém depois de arrancar tudo que essa pessoa tinha possa ter um efeito positivo. A Suprema é muito pura, ou herdou um pouco do cinismo e habilidade para manipulação de sua mãe. Sem querer, o que ela despertou foi a Ira do Anticristo, o que provavelmente principiou o Apocalipse.

Michael, como Cristo, busca um lugar isolado para ter contato com seu pai. Ele é tentado por anjos que poderiam ter saído de comerciais de refrigerantes e supermercados no Natal. Michael também tem uma visão de Mead debilitada na cama, que nada mais é do que uma referência ao filme “O Exorcista” (1973), quando o demônio tenta o padre Karras com o sofrimento de sua mãe. Por fim, ele se depara com um bode preto, símbolo do seu pai, que mutila, descobrindo serpentes, outro símbolo do diabo. O encontro dele com o animal, matando-o, espelha o encontre de Mallory (Billie Lourd) com um cervo. A diferença é que ela encontra um cadáver e reverte o seu status, transformando-o em um ser vivo (e jovem), novamente. Michael e Mallory mais uma vez são apresentados como opostos.

A tentação de Michael é a melhor parte de “Sojourn”. Vemos que o Anticristo mantém suas inseguranças e até um pouco de sua inocência de criança (apesar do corpo e mente desenvolvidos, ele tem, o quê? Oito anos?) e mais uma vez seu intérprete dá conta de transmitir essas características. Porém, a partir daqui o episódio decai no que parecem ser esquetes porcamente escritas para um programa de humor. Cody (e rapidamente Sarah) se salvam, mas não é o suficiente para que o episódio deixe de ser fraco e ter partes redundantes, apesar de durar apenas 38 minutos e fazer parte de uma temporada com somente 10 episódios. O medo de que a temporada termine amarrando as tramas de forma não-satisfatória cresce cada vez mais.

IGREJA
Quem está com crise de fé faz o quê? Procura um templo. Michael recorre à Igreja de Satã atrás de respostas, já que ser o Anticristo não vem com manual de instruções. Se o retrato de Anton LaVey ofendeu seus seguidores, as sequências do culto devem ofender até quem não é satanista laveyista. Até Michael se irrita com esses seguidores caricatos, liderados por Hannah (Sandra Bernhard, em uma atuação não muito inspirada e até um tanto exagerada).

Eles comentem pequenos furtos, traições carnais, dão dinheiro que seria para a caridade para a NRA (Associação Nacional de Rifles). “Sério mesmo?”, a expressão de Michael parece perguntar, quase um reflexo telepático do que se passa pela cabeça do telespectador. Fica claro que a ideia é satirizar e mostrar que os satanistas da série são patéticos. Porém, além da proposta ser frustrante, o roteiro das cenas do culto tem um humor um tanto apodrecido, como quando a sacerdotisa diz que sempre chove quando o coral satânico está ativa porque Deus está se urinando de medo. Isso era mesmo necessário, roteiristas? O que vocês estão fazendo com o que até o momento era uma temporada sem grandes manchas?

Eu.

Michael ganha uma aliada: Madeline (Harriet Sansom Harris, em uma atuação mais inspirada, mas que provavelmente merecia um roteiro melhor). Ele se revela a ela como Anticristo, após ser alvo de sua caridade, e ela conta que fez pacto com demônio para ter conforto, TV a cabo, usar drogas sem ter overdose, transar com Brad Pitt e Ryan Reynolds toda semana. Os humanos, Michael descobre, são todos idiotas, incluindo os seus seguidores. Talvez por isso, ele tenha resolvido aniquilar a humanidade, o que é até compreensível depois de “Sojourn”.

Madeline resolve apresentar Michael como o messias sombrio que a Igreja Satânica esperava. Os seguidores, ainda patéticos, paparicam o Anticristo com comida e tentam tocar seu cabelo. Mas ele continua sem saber o que fazer, na falta de sua Mead.

TECNOLOGIA
Madeline intermedeia, então, o encontre entre Michael e dois cientistas bilionários satânicos, viciados em cocaína e sexo, que aparentemente também venderam a alma para o demônio para ter conforto, usar drogas sem ter overdose, transar com modelos e Ryan Reynolds toda semana (a piada repetitiva quase fica engraçada, quase se você não estiver exasperado pelo roteiro do episódio ser tão ruim). Os dois são interpretados por Billy Eichner e Evan Peters, também de uma forma não muito inspirada, mas quem os julga?

A introdução dos dois serve para mostrar uma Venable (Sarah Paulson) pré-Apocalipse, toda vestida de roxo, como a assistente executiva cheia de frases de efeito ácida dos dois. Os dois recriam Mead à sua imagem e semelhança para Michael e o episódio acaba. É isso…

Apocalypse” ainda precisa oferecer respostas, mostrar o Apocalipse, entregar o embate final, dar uma conclusão para a história e ainda assim a temporada apresenta um episódio que em um primeiro momento, pelo menos, parece tão desnecessário. A tentação de Michael, como eu disse, é interessante. Saber como ele se reergueu, encontrou a Cooperativa (provavelmente ligada aos dois cientistas caricatos) e estruturou a versão robô da Mead eram necessidades, mas que poderiam ser resolvidas de forma mais ágil e com roteiro melhor. Sim, estamos acostumados com estranheza e humor na série, mas aqui os dois elementos são apresentados de forma que reflete mais mal gosto e preguiça do que um efeito balanceado.

Resta torcer para que o final de “Apocalypse” e o desenvolvimento da história nos dois últimos episódios tenha a qualidade de outros momentos da temporada que não “Sojourn” e que não sejam apressados demais. No oitavo episódio, Michael se encontra no seu ponto mais baixo na trajetória como Anticristo. A temporada também (esperamos que seja o único tropeço).

Post-Scriptum 1: Em Asylum, a atriz Gloria Laino interpretou uma paciente de Briarcliff super religiosa, que temia Satanás. Em Apocalypse, sua personagem é uma satanista encantada pelo Anticristo. Como diria Liz Taylor (Denis O’Hare): “Ah, a ironia”.

Post-Scriptum 2: Por quantas vezes irão usar a música “O Fortuna” em cenas com o Michael? A utilização dela em “Return to Murder House” foi boa e proporcionou um clima profano às cenas. Já em “Sojourn”, não parece nada além de um recurso falho para forçar uma atmosfera épica nas cenas em que a música é ouvida.

Por Rafaela Tavares em 03 de November de 2018