REVIEW: Os efeitos do desespero em ‘Chapter 8’, oitavo episódio de ‘Roanoke’

Uma situação que desperta horror é ser confrontado com os efeitos do desespero na natureza humana. Seja em notícias sobre homens e mulheres reais, seja na ficção, pensar que uma pessoa comum como eu ou você pode ser levada a ações brutais pela falta de perspectiva desconcerta, no mínimo. O oitavo episódio de “Roanoke” apela para esse desconforto.

A trama de “Chapter 8” (“Capítulo 8”) segue como um desdobramento das últimas cenas da semana anterior. Quando a reencontramos, Shelby (Lily Rabe) lida com o remorso pela morte de seu marido, Matt (André Holland), a quem ela, uma mulher normal que trabalha como instrutora de ioga, atacou em um ato de desespero diante de uma traição. Ao mesmo tempo, Lee (Adina Porter), Audrey (Sarah Paulson) e Monet (Angela Bassett) precisam recorrer a artifícios extremos para escapar de uma família de canibais.

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A própria história de origem dos Polk está ligada à corrupção pelo desespero. Enquanto é esfatiada, Lee é obrigada a ouvir Mama (Robin Weigert) e Jether (Finn Wittrock) relataram como seus antepassados a comer carne humana. É assim que descobrimos mais um aspecto da mitologia de “Roanoke”.

DEPRESSÃO

A fome de 1929 foi o estopim para a tradição da família de cometer canibalismo. Para o telespectador atual (e brasileiro) talvez a data não diga tanta coisa, mas ela tem um significado especial de horror para os norte-americanos. Ela marca o começo da Grande Depressão, quando a crise econômica causou grande miséria e alavancou a taxa de desemprego nos Estados Unidos. Sem trabalho, muitos se tornavam mendigos e cruzavam o território do país a procura de condições melhores. No universo de “Roanoke”, alguns desses andarilhos fizeram a má escolha de roubar os últimos porcos dos Polk e se tornaram o primeiro banquete da família, que sofria com a escassez de alimentos.

Décadas depois, seus descendentes dão continuidade ao costume e ainda enxergam outros humanos como meras coisas – e por isso, praticam o incesto. A convivência com a Açougueira também ajudou a inspirar aspectos sombrios da mentalidade da família. Um certo Kincaid Polk foi o verdadeiro Piggy Man e começou a utilizar partes de porcos para atacar suas vítimas ao ver o tratamento de Tomasyn White  com suas presas. Ele virou uma lenda – provavelmente, a mesma que causou fobia em um dos pacientes de Ben Harmon (Dylan McDermott) na primeira temporada.

Não são apenas os Polk que relembram o passado. Com baixa expectativa de sobrevivência, Lee resolve gravar uma despedida para sua filha, Flora, e confessa ter cometido um homicídio. Quando esteve pela primeira vez no casarão de Roanoke, ela realmente matou o ex-marido por ter medo de perder o contato com a filha.

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A interação entre Jether e Lee gera algumas das melhores cenas do episódio, graças à estranheza e às boas atuações de Adina, uma constante na temporada, e Finn, especialmente competente para dar vida a personagens perturbados e com vulnerabilidades, como o ator já mostrou na quarta temporada com Dandy. A relação dos dois é curta, já que Lee consegue explorar as carências maternal e sexual de Jether, matá-lo e escapar.

FUGA

As outras duas vítimas dos Polk também conseguem fugir. Monet, por conta própria e no desespero abandona a colega de elenco. Audrey recebe uma grande ajuda de Lee para se livrar da Mama Polk e sob efeito da adrenalina do momento arrebenta o crânio da matriarca da família caipira, mostrando que tem mais em comum com Shelby, personagem que interpretou em “Meu pesadelo em Roanoke”, do que gostaria de admitir.

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No casarão, a verdadeira Shelby e o ator Dominic Banks (Cuba Gooding Jr.) também tentam escapar da ameaça de um massacre, porém sem tanto sucesso. Eles apelam para o túnel assombrado por Edward Mott, mas encontram os membros da família taiwanesa Chen (fantasmas que na versão real são um tanto parecido com espíritos de filmes de terror asiático, como a aparição do documentário).

A fuga é frustrada e Shelby perde as poucas esperanças que tinha de sobrevivência. O desespero (mais uma vez) motiva o segundo ato extremo dela em poucas horas: a personagem de Lily Rabe se mata – para o desgosto dos fãs que estavam apostando nela para ser a única sobrevivente. No final das contas, Shelby não demonstra nenhum má intenção secreta que poderia ter explicado sua irracionalidade durante a primeira estadia em Roanoke e na decisão de voltar para o local assombrado.

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Quem retorna para um casarão onde dezenas de espíritos e uma família canibal ameaça sua vida justamente na época do ano em que os fantasmas se tornam mais homicidas? Shelby apenas agia de forma ilógica mesmo. Descanse em paz. Confesso que apesar da estupidez da personagem, sentirei falta da interpretação da Lily nos próximos episódios.

REENCONTRO

Quando conseguem regressar à casa, Lee e Audrey são confrontadas com dois cadáveres. Nenhuma delas acredita na história de Dominic de que Shelby matou Matt e se suicidou – embora ela seja verdade. Assim elas aumentam o número de mortos entre os participantes do reality show. Apesar de não matarem o ator diretamente, elas o trancam para fora do quarto e o expõem ao Piggy Man.

Agora temos apenas três sobreviventes – ou talvez duas, porque o desfecho da fuga de Monet não foi mostrado. Um comentário sobre isso: Embora Lee tenha sim cometido o assassinato do qual é acusada, ainda consigo torcer para que ela escape com vida por sua força e inteligência (superior à média de Roanoke, apesar de algumas más decisões do passado). Audrey e Monet despertam mais apatia que qualquer outro sentimento, e em alguns momentos a personagem de Sarah Paulson é irritante a (a sexta temporada é a primeira vez que isso acontece para mim), ainda que ela tenha falas engraçadas. A dessa semana foi: “Shelby nunca se mataria! Ela é muito autocentrada para cometer suicídios. Eu a interpretei por seis meses. Eu a conheço melhor do que a mim mesma”

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Relembrando que todos os acontecimentos na casa dos Polk foi filmado, Lee e Audrey resolvem voltar para se desfazer das gravações que podem incriminá-las e é aí que são surpreendidas por um outro membro da equipe não anunciado – o ator Dylan (a julgar pela exclamação de Audrey), personagem de Wes Bentley.

Finalizado com um cliffhanger um tanto confuso, “Chapter 8” mantém o ritmo acelerado de tensão da temporada, o teor de torture porn (orelha decepada, perna esfatiada, dentes arrancados) e entretém, ainda que seja inferior ao anterior. De uma forma geral, até agora “Roanoke” está sendo bem construída e tem uma exposição direta da história (sem subtramas desnecessárias e episódios desperdiçados), o que é um alívio levando em consideração o andamento das três temporadas anteriores. Agora temos apenas dois episódios até o desfecho.

Por Rafaela Tavares em 04 de November de 2016