Review: Os reencontros em ‘Return to the Murder House’, 6° episódio de ‘Apocalypse’

A casa número 1119 de uma rua chamada Westchester Place em Los Angeles é um local único. O que a diferencia das outras não é a arquitetura vitoriana ou os vitrais e as luminárias de bronze martelado de Louis Comfort Tiffany – não, o imóvel é conhecido por ser palco de 36 falecimentos trágicos desde que foi edificado, na década de 1920. Assassinatos, suicídios, execução policial, mutilações, combustão criminal de corpos, parto mal sucedido, a residência conhece muitas modalidades de morte. Quem é cético pode enxergar o lugar como uma casa macabra, na qual uma série de eventos fatais ocorreu por mera coincidência. Porém, há as explicações sobrenaturais. O local pode ser amaldiçoado ou assombrado por forças espirituais.

Em 2011, tivemos o primeiro contato com a casa. Era de se esperar é que pessoas mantivessem distância de um lugar tão sombrio. No entanto, passamos oito anos a espera de voltarmos a nos hospedar ali – a curta passagem em 2015 durou pouco demais para ser mais que um tira-gosto. O sexto episódio de “Apocalypse” ajudou a saciar essa estranha vontade e nos conduziu ao “Retorno à Casa Macabra” (tradução para o título original “Return to the Murder House”).

Madison Montgomery (Emma Roberts) e Behold Chablis (Billy Porter) se disfarçaram de casal para cumprir ordens de investigar a casa. As poucas informações que tinham sobre o local era de que ele estaria ligado às origens do novo Supremo do clã de bruxas, Michael Langdon (Cody Fern). Ao dar poucos passos nas dependências, eles sentem a atividade paranormal presente nos cômodos.

O universo de American Horror Story possui cenários mal assombrados. Três, para ser precisa: uma casa de campo próxima à lendária Colônia de Roanoke (Shaker Mansion), o Hotel Cortez e a casa da Westchester Place (Montgomery Manor/Murder House). Os lugares têm um ponto em comum: todos que morrem em seus terrenos têm espíritos presos ao solo. A oitava temporada explica que o motivo para essa ligação entre almas e lugares é o fato de que os imóveis foram construídos sob portais do inferno.

Apesar de ter os poderes inicialmente afetados pelo ambiente, Behold propõe que ele e Madison façam um ritual para poder falar com os moradores da casa. E é assim que os fãs de American Horror Story reveem rostos familiares, a começar por Ben (Dylan McDermott), o patriarca da família Harmon, cujos integrantes protagonizaram a primeira temporada, e Tate Langdon (Evan Peters), o antagonista da mesma história, ambos obviamente fantasmas.

AMÉM
É possível apostar, contudo, que o reencontro que mais mexeu com o espectador foi com Constance Langdon, a avó de Michael. Uma razão óbvia para isso é o fato de ela ter sido interpretada pela primeira rainha do seriado, Jessica Lange, que em poucos minutos já reafirma como merece ser uma queridinha dos fãs. Seja no embate verbal com parceiros de cena, seja nos monólogos (seu grande talento), a atriz domina a atenção.

Constance também interessa por ser uma mulher trágica, uma southern belle contraditória, capaz de amar e matar os próprios filhos, ao mesmo tempo egoísta e desinteressada no próprio bem-estar. Toda a saudade foi pouca. A última vez que a vimos, Constance estava viva. Agora não mais. Ela promete falar sobre Michael, em troca de um favor. Constance exige se ver livre de uma inimiga, a empregada Moira (Frances Conroy, com outra atuação memorável, e só de vermos ela duelando em um diálogo com a Lange já torna o episódio muito bom), a quem matou décadas antes.

Embora tenha dado um final satisfatório para a história dos Harmon, “Murder House” deixou pontas soltas. Sabe aquele mito de que assombrações são fantasmas com negócios pendentes? Então, é essa a relação dos fãs das séries com a conclusão de alguns personagens. Moira é uma deles. Ela foi obcecada pela ideia de que descobrissem seus ossos ocultados no quintal da casa. A impressão que o roteiro da primeira temporada causava era de que ela só teria paz quando soubessem que Constance a assassinou. Os ossos seriam algo simbólico. Seriam? Agora Constance está morta e não pode ser condenada. Tudo que resta a Moira é ser enterrada com a própria mãe.

Para Moira ter seu cadáver removido dali em “Apocalypse” é uma condição de libertação. Pensar que a exumação e transporte de cadáveres fosse desfazer o vínculo de qualquer fantasma com a casa é até ilógico. Alguns deles tiveram corpos desovados para longe dali depois da morte como a Dália Negra (Mena Suvari, que reprisa a participação especial em uma cena curta), ou muito provavelmente removidos pela polícia, como Tate, o casal Chad (Zachary Quinto) e Patrick (Teddy Sears), e quase todos os que foram assassinados ali. Moira era diferente?

O episódio não deixa claro se Madison e Behold realizaram um feitiço especial (como o que as bruxas fizeram com o Homem do Machado, em “Coven”) ou apenas mudaram o cadáver da empregada de lugar, ou porque a condição de Moira se diferencia da dos outros mortos, por ter seus restos mortais dentro do terreno. Contudo, o final feliz de Moira, que reencontra a mãe e pode finalmente descansar no que parece ser um Paraíso, é satisfatório.

A bela direção de Sarah Paulson – sim, ela quem dirigiu o episódio, além de fazer uma breve e divertida aparição como a médium Billie Dean Howard – combinada com a atuação sublime de Frances constroem um cena que entra para a lista das mais sensíveis do seriado. Moira foi atacada pelo patrão, morta pela esposa do patrão, punida pela própria sexualidade e pelo machismo, separada da mãe, era o fantasma mais triste dali e merecia sim um desfecho positivo.

AVÓ
Outra ponta solta que retomamos é a da história de Constance. Na última cena que vimos, ela se deparou com o neto diante do cadáver de uma babá assassinada. Constance conta a Madison e Behold que a babá foi precedida por uma escalada de  mortes. Michael começou ainda bebê com moscas, subiu um degrau escolhendo roedores como suas vítimas e, então, gatos. Constance aceitava cada morte praticada pelo neto como um sacrifício, um presente de amor, e fazia enterros que eram dolorosos, com uma tentativa de amenizar a noção de que criava um monstro plantando mudas de roseiras sobre os cadáveres – o que rende não só um belo discurso de Lange, mas também uma cena perturbadora e bonita com a atriz cercada por um roseiral sufocante.

Desde a temporada anterior, ela se descrevia como uma mulher nascida para ser uma mãe, para amar seus filhos e, ironicamente, ao mesmo tempo amaldiçoada com um útero que produzia ou crianças com anomalias genéticas ou tendências homicidas. Michael não nasceu dela, porém não fugiu da regra. Ele foi além: tentou enforcá-la, cresceu 10 anos em uma noite, matou um padre. Constance não suportou sua presença e resolveu se matar na Casa Macabra. Lá estaria com três dos quatro filhos e poderia evitar ser vista pelo neto. (E aqui, o seriado responde outra dúvida dos fãs, mostrando que o quarto filho de Constance é uma menina sem olhos que nunca vimos antes. Vale lembrar que em 2011 a ideia inicial era de que um albino andrógino seria o filho misterioso, mas, devido ao excesso de personagens, ele foi descartado.)

De todos os segmentos do episódio em que Madison e Behold entrevistam alguém a procura de informações sobre Michael, o de Constance é o melhor pelo roteiro, pela atuação de Lange e por mostrá-la ao lado de Cody. O ator também faz um trabalho excelente. Seu Michael convence como uma criança cruel, que não consegue controlar a própria natureza e ainda está desconfortável com o corpo adolescente que cresceu rápido demais. As expressões infantis, a linguagem corporal e a entonação (como quem está se acostumando com uma nova voz) de Cody vendem essa impressão e se diferenciam das que vimos no Michael frio, com pleno controle das situações dos primeiros episódios de “Apocalypse”.

PADRASTO
O segundo entrevistado é Ben, um fantasma condenado a se masturbar na janela e chorar em seu purgatório da Murder House, um hábito antigo seu de quando era vivo. Até o final da primeira temporada, ele estava relativamente em paz com a esposa, Vivien (Connie Britton). Agora os dois não se falam mais. Imediatamente após Constance se suicidar e ter seu corpo encontrado por Michael, Ben se interessou por ajudar o garoto.

Em partes, ele é um psiquiatra. Além disso, Michael é filho da esposa de Ben, estuprada por Tate, e ele se sentiu responsável pelo que parecia ser um adolescente vulnerável e atormentado. A questão é que Michael não conseguiu se distanciar da própria natureza maligna. Apesar das tentativas de Ben de ajudá-lo, da aproximação inicial dos dois, o garoto matou duas novas moradoras. Ele não se contentou em assassinar o corpo do casal, Michael destruiu a alma das duas. Ben – que é o pior psiquiatra do mundo ou o mais azarado, perseguido por pacientes irreversíveis – resolveu se afastar também do garoto.

MÃE
Vivien também quebra o silêncio e, sem pedir nada em troca, conta a Madison e Behold que nunca conseguiu ter contato com o próprio filho. É claro que ela cita a Bíblia, mais precisamente o trecho do “Apocalipse” que fala sobre o Anticristo. Viveu percebeu que a simples presença dele atraía revoadas de corvos e um calor infernal para a casa. É importante recordarmos que em “Murder House”, ela foi alertada por uma enfermeira para o fato de estar carregando o filho do demônio no ventre, numa sequência em que a Bíblia também foi citada.

Segundo Vivien, Michael se deteriorou mais ainda após ser procurado por um trio de satanistas. Dois deles são rostos familiares. Um é Mead (Kathy Bates) e assim descobrimos como ela conheceu Michael. O outro é uma mulher satânica vivida por Naomi Grossman, a intérprete de Pepper em “Asylum” e “Freak Show”. O terceiro é Anton LaVey (Carlos Rota), que na realidade fundou a Igreja de Satã, e que, no universo da série, não morreu em 1997.

Os três sacrificam uma virgem e oferecem seu coração a Michael (embora na realidade a Igreja de Satã não seja conhecida por esses rituais violentos. Assim como o assassino do Zodíaco não era um grupo de feministas radicais como mostrado em “Cult”, então sabemos que a série toma liberdades). Os adoradores do Demônio, uma espécie distorcida de Três Reis Magos, despertam para a noção de que ele é o filho do Diabo. Quando o garoto abraça a própria natureza demoníaca, sua sombra ganha a forma de um demônio que lembra a ilustração “O Grande Dragão Vermelho e a Mulher Vestida com o Sol”, de William Blake, arte baseada no “Apocalipse”.

Vivien percebe que precisa matar Michael e tem quase que a alma destruída por ele, sendo salva por Tate. Madison e Behold saem da casa decididos a alertar todos sobre o fato de que o novo Supremo é o Anticristo, não sem antes Madison reconciliar Violet (Taissa Farmiga, com uma boa atuação na personagem com a qual sempre se mostrou mais confortável e convincente) e Tate. E provavelmente assim o episódio deixou o Tumblr fora do ar depois de enlouquecer os fãs do seriado que enchem aquela rede social com gifs e imagens do casal.

VISITA
Revisitar a casa foi uma satisfação, rever personagens também. No geral, o episódio foi uma mistura de ótimas atuações, nostalgia, tensão, senso de humor, resoluções e fanservice. Mas aí neste quesito há um ponto incômodo. Tate e Violet sempre foram romantizados por fãs adolescentes do seriado, apesar de formarem um casal tóxico.

Vamos enumerar a razões? Tate incendiou o namorado da própria mãe, massacrou colegas da escola, cometeu crime de ódio contra um casal de gays, estuprou a mãe de Violet e a engravidou, ajudou a convencer Ben de que Vivien era louca, teve um dedo na morte dos pais de Violet, mentia sem parar para a garota. Se havia algo de interessante nele, era o fato de que ele era um psicopata, o filho moralmente anômalo de Constance, o vilão da temporada.

Em “Return to the Murder House”, tudo isso é varrido para debaixo do assoalho da mansão, provavelmente para agradar fãs que romantizam os dois com a reconciliação. Aliás, os dois fazem as pazes com a ajuda de Madison, vítima de estupro coletivo em uma de suas duas vidas passadas. O roteiro fez uma vítima de estupro defender um estuprador. Além de reformular um casal que não merecia um “final feliz” (Violet estaria melhor longe de Tate), a mudança esvaziou Tate, antes um personagem rico.

Ugh.

Na oitava temporada, ele ressurge como um herói atormentado, quase bom, consumido pelo amor, que só fez o mal sob a influência da casa. Como portal do inferno, a casa usou Tate como veículo para engravidar Vivien do Diabo. O pai de Michael não seria ele, e sim o Mal.

Dá para comprar a ideia? Com um certo esforço, sim, afinal, a casa tinha influência sob Ben, sob os primeiros moradores, atraía casos e mais casos de assassinato como se alterasse o caráter das pessoas. Tate pode ser alguém sombrio que vivendo sob o efeito de um lugar amaldiçoado matou pessoas, como personagens de clássicos do terror, como “Horror em Amityville”, referência feita pela própria Madison, durante o episódio. Mas a mudança soa forçada como um fanservice gratuito, deixa um gosto amargo na boca de quem assiste (e não é fã adolescente que romantiza casais tóxicos) e empalideceu o personagem.

Fora algumas conveniências e a situação do Tate, “Return to the Murder House” é um episódio marcante, que sabe brincar com cenas e personagens icônicos. O espectador é provocado e tem expectativas inflamadas a cada bola vermelha que cai de uma escada ou canção da trilha sonora da primeira temporada. Além disso, Madison e Behold formam uma dupla inusitada, porém com boa química e com atuações simpáticas de Roberts e Porter, que assim como seus personagens cumprem bem os papeis de protagonizar o episódio.

Post-Scriptum 1: Uma ausência foi especialmente sentida, a dos Montgomery! Sempre era bom ver Nora (Lily Rabe) e Charles (Matt Ross), perturbadores e deliciosos de se assistir como um casal disfuncional. A teoria de que eles dividiriam uma árvore genealógica com Madison foi muito sutilmente aludida por Billie Dean, mas bem mal aproveitada.

Post-Scriptum 2: Ver Madison continuar a disparar frases sarcásticas, feitas sob medida para serem citadas, manter a atitude superficial, porém com a tentativa de ser melhor em sua terceira vida é curiosamente satisfatório.

Post-Scriptum 3: Foi bom rever outros fantasmas da casa, mesmo que brevemente. Sam Kinsey retornou como Beauregard Langdon, e Celia Finkelstein também retornou no papel da enfermeira Gladys, que apareceu de relance no começo do episódio. Além destes, também pudemos ver as filhas de Larry (Denis O’Hare) e Lorraine Harvey (Rebecca Wisocky).

Post-Scriptum 4: Semanas atrás, Emma Roberts foi vista no intervalo de filmagens para Apocalypse em Los Angeles, usando roupas que fugiam do padrão das roupas pretas de Madison. Muitos fãs até teorizaram que poderia ser sua personagem Chanel Oberlin, de Scream Queens. Agora temos a confirmação que realmente era Madison, que estava usando rosa como um disfarce para a compra da Casa Macabra.

 

Por Rafaela Tavares em 18 de October de 2018